- Brasília - Quando decidiram comprar a primeira obra de arte, Betty e Luiz Carlos Bettiol se guiaram pelo gosto. Uma tapeçaria de Genaro de Carvalho conquistou o casal. Capturados, nunca mais pararam. A coleção iniciada naquele 1964 virou um acervo de duas mil peças. Quando Betty passeia pelas obras, a única coisa que ofusca a empolgação com a qual fala dos artistas é a constatação de que só frequentadores da casa podem ter acesso à coleção. Essa verdade martelou a cabeça da artista e colecionadora durante um tempo até que ela avisou ao marido e aos três filhos: não queria festa de 70 anos nem comemorações das cinco décadas de casada e de Brasília. Trocaria tudo por um livro capaz de dar conta das obras de arte da família.
Arte brasileira na coleção Bettiol é uma maneira de Betty abrir as portas de casa. "Empresto muita coisa para exposições, sempre abro a casa para quem quiser ver a coleção, para colégios, estudantes universitários, estrangeiros", conta. "E para atender também esse público resolvemos fazer o livro. É um livro que mostra Brasília. Não é de arquitetura nem de história, mas conta uma história familiar e mais íntima da cidade, uma história mais humanizada." Durante um ano e oito meses, a artista fotografou, digitalizou e catalogou cada uma das duas mil peças da coleção. Durante o processo, descobriu obras que precisavam de restauros, dedicatórias carinhosas atrás de quadros e lembranças de toda uma vida envolvida pela arte.
Betty e Luiz Carlos chegaram a Brasília no início da década de 1960. Vieram de São Paulo, recém-casados, para construir vida e família na capital. Começaram a coleção timidamente. Nos anos 1970, encomendaram a Zanine Caldas a casa de madeira que virou referência da obra do arquiteto e então professor da Universidade de Brasília (UnB). Do alto de um colina em frente ao Iate Clube, com vista para o Lago Paranoá, o casal tratou de contar um pouco da história da arte brasileira.
A coleção está dividida em sete vertentes, as mesmas que orientam o livro. Pintura, escultura, mobiliário, gravura, arte indígena, arte popular brasileira e arte sacra constituem os módulos, mas na casa dos Bettiol não há divisões, todas as peças convivem em harmonia. "Essa coleção não foi premeditada", avisa Betty. "Começou sem sabermos e sem a intenção de ser uma coleção."
Foram 50 anos percorrendo o Brasil em busca de todo tipo de arte, o que resultou em um amplo panorama da produção artística brasileira das últimas cinco décadas. "É difícil não ter um representante dos grandes movimentos desde os anos 1940", avisa Luiz Carlos. Obras de pintores do Grupo Santa Helena e dos japoneses radicados em São Paulo constituem o núcleo mais expressivo da coleção com obras de Aldo Bonadei, Fúlvio Penacchi, Francisco Rebolo, Alfredo Volpi, Manabu Mabe e Tomie Othake. Mas há um pouco de tudo distribuído pelos cômodos projetados por Zanine. De Tarsila do Amaral a Galeno, passando pelos anjos (os mesmos da Catedral) e outras esculturas de Alfredo Ceschiatti, pinturas de Arcangelo Ianelli e Burle Marx e desenhos de Athos Bulcão.
Velho Chico
A liberdade com a qual Betty e Luiz Carlos construíram a coleção foi essencial para que pudessem mergulhar no mundo da arte popular e do artesanato. O conjunto tem bons representantes da arte brasileira dos anos 1950 e 1960, mas o destaque está nas peças populares reunidas ao longo de anos de viagens pelo Brasil. Primeiro de carro, e agora no comando de um monomotor, o casal pratica um autêntico garimpo país afora. Nunca compram peças em lojas e preferem adquira-las diretamente do artista ou artesão. "E existem tantos pelo país! Mas nem 10% são conhecidos", lamenta Betty. "Já cruzamos o Rio São Francisco mais de 100 vezes em busca de peças."
No livro a ser lançado, a própria casa dos Bettiol figura como item da coleção. "Era um projeto muito querido para o Zanine e por isso a casa sempre esteve aberta aos estudantes da UnB. O livro é uma insistência nessa nota", garante Luiz Carlos. Três textos acompanham as imagens. Um, assinado pelo jornalista Ricardo Medina, tem valor sentimental e narra a trajetória dos Bettiol de São Paulo a Brasília. O livro terá uma primeira tiragem de 2.000 exemplares e a renda do dia do lançamento será revertida para construir uma sala de música no Hospital do Câncer Infantil de Brasília.
Modernidade
Longe da academia e perto do modernismo, o grupo Santa Helena, que reunia pintores como Volpi e Rebolo, dividiu o mesmo ateliê na Praça da Sé, em São Paulo, e deu vida a uma obra que virou símbolo da modernidade paulista dos anos 1940.
Foto: Betty Bettiol
Fonte: Correio Braziliense