Descrição ITALIANOS NA ARTE BRASILEIRA - ARTISTAS ITALIANOS NO BRASIL
Título ITALIANOS NO BRASIL
História da Arte O escultor Víctor Brecheret e o poeta Menotti del Picchia, em São Paulo (1930). OS ITALIANOS E A ARTE BRASILEIRA Jacob Klintowitz A presença nas artes plásticas brasileiras de artistas italianos e de seus descendentes brasileiros é mais do que uma contribuição constante. É essencial na formação e no desenvolvimento desta arte. Não é possível entender a arte brasileira sem esta contribuição. Sem a ativa participação desses artistas, a história da arte brasileira seria inteiramente diferente e o que é hoje concebido como arte brasileira simplesmente não existiria. A Semana de Arte Moderna de 1922, emblema da modernidade nacional, foi constituída tendo como base a obra do escultor Vitor Brecheret, exemplo vivo e real de como poderia ser a nova arte. Brecheret, conforme documentos pesquisados pelo professor Pietro Maria Bardi, nasceu na Itália, em Farnese, província de Viterbo, em 1894, e chegou ao Brasil em 1904. No entanto, segundo sua família e de acordo com o depoimento do próprio artista, Brecheret teria nascido no Brasil, filho de italianos. A controvérsia sobre o local de seu nascimento não altera, entretanto, a sua importância para a arte brasileira e a participação dos italianos e seus descendentes. A própria idéia modernista - de que a arte não deve reproduzir academicamente as convenções, mas expressar, com inteira liberdade, as emoções e as novas concepções do homem e do mundo - afirmou-se por solidariedade e controvérsia, com a exposição de Anita Malfatti, em 1917. A artista - filha de mãe americana e pai italiano, o engenheiro Samuel Malfatti, que nasceu em Lucca, trabalhou em Campinas (SP) em estradas de ferro e, entre 1892 e 1894, foi deputado estadual -, depois de estudos no exterior, fez uma exposição na cidade de São Paulo que foi objeto de um violento artigo de Monteiro Lobato, ná época um dos mais influentes intelectuais brasileiros. O artigo, intitulado "Paranóia ou mistificação" publicado no jornal O Estado de São Paulo, transformou Malfatti em mártir das novas idéias e forneceu o "inimigo" que os adeptos do modernismo precisavam. Em torno da artista e de seu trabalho arregimentaram-se os que lutavam pela nova arte. A HISTÓRIA A participação dos italianos na formação e na arte brasileiras começou muito cedo. A partir do descobrimento da América, humanistas, militares e técnicos italianos passaram a fazer grandes trabalhos no Novo Mundo. Talvez seja possível listar todos os Cavalcanti como descendentes do poeta Guido Felipe Cavalcanti, vindo para o Brasil em 1559, depois de participar de uma conjura contra Cosimo de Medici. Em 1867, o escultor Luca Carimini fez o altar-mor da Catedral N. S. das Graças, no Pará. Em 1881, o pintor Domênico de Angelis executou pinturas. Em 1886, os acabamentos em mármore são dos escultores Alverti e Antônio Urtis. Também os pintores Lottini e Silvério Capparoni trabalharam nessa catedral. No grupo republicano, nas campanhas contra a escravidão, está o desenhista Ângelo Agostini. Na verdade, aqui realizamos um breve relatório de alguns artistas italianos participantes da vida brasileira. Caberia, talvez, a análise do trabalho de cada um deles, com as suas contribuições específicas, levantamentos, aliás, já feitos por Pietro Maria Bardi e pelo historiador e pintor Quirino Campofiorito, em exaustivas pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80. A tradição italiana é ponto incontestável para a formação pictórica do Brasil, como assinala o professor João Baptista Borges Pereira, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo (USP). Nesse campo das artes representa autêntico patrimônio da humanidade e fonte de inspiração para todo o mundo ocidental. O Brasil colonizado e fascindado pela Europa, não poderia ficar alheio a esse fato nem distante desse fascínio. No Segundo Império, após o casamento de D. Pedro II com a princesa Teresa Cristina, o intercâmbio cultural entre Brasil e Itália passou por transformações e se ampliou de maneira definitiva. Havia um transitar intenso de mão dupla: vinham italianos para o Brasil e iam brasileiros à Itália aperfeiçoar seus estudos. Na pintura, os nomes de brasileiros mais expressivos foram os de Pedro Américo, Victor Meirelles e Belmiro Gouveia. Esses três pintores, embora de formação italiana, conduziram seus trabalhos a partir da temática brasileira. Seus quadros são obras raras que fazem parte de acervos dos principais museus nacionais, como a famosa tela Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, numa das salas do Museu Paulista, antigo Museu do Ipiranga. Do lado italiano, há numerosos artistas assinalados pela história. Entre eles: Edoardo de Martino, Alessandro Ciccarelli, Giovanni Gastelpozzi, Nicola Antonio Fachinetti, Rodolfo Bernardelli (que formou o importante Núcleo Bernardelli), Giovanni Battista Castegneto (autor de algumas das mais famosas marinhas do país), Eliseu Visconti (o maior impressionista brasileiro e autor ds obras do teatro Municipal do Rio de Janeiro), Angelo Agostini, Carlo de Servi, Benjamino Parlagreco. O primeiro Salão de Belas Artes de São Paulo, em 1911, teve na sua direção o pintor Torquato Bassi. O núcleo Bernardelli, de grande importância no país (1931-1942), foi diretamente inspirado e orientado por Henrique e Rodolpho Bernardelli. Insurgidos contra o ensino acadêmico da Escola de Belas Artes, lutaram por novos sistemas de representação e pretendiam até um novo tipo de ensino das artes. O MOVIMENTO MODERNISTA Victor Brecheret é o artista emblemático da afirmação do modernismo no Brasil. É um dado raro, talvez único, a escultura como base da construção revolucionária da linguagem contemporânea. Desde o impressionismo, em 1874, tomado como marco histórico, a discussão sobre a representação da realidade, a discussão conceitual da arte, se processa a partir da área bidimensional, a pintura. Nesse período, a pintura sai do clima fechado do atêlie, passa a ser feita ao ar livre e mostra paaisagens e cenas onde a água é a grande personagem . E nesta pintura havia uma certa indefinição do desenho, os contornos quase se diluíam e o que marcava a forma eram manchas de luz. É possível juntar ao impressionismo muitos outros movimentos estéticos, todos com o predomínio da pintura: divisionismo, simbolismo, fovismo, futurismo, cubismo, pintura metafísica, surrealismo, etc. Não é o caso de nos determos nesses movimentos. Basta saber que a liderança objetiva das revoluções estéticas, desde o século passado, pertence à pintura, o que não é o caso brasileiro. O modernismo não começou na Semana de Arte Moderna de 1922, mas foi esse evento que polarizou a questão entre a academia e o modernismo e que se tornou o ponto focal irradiador das novas idéias e, também, o alvo dos adversários. E na Semana de Arte Moderna a obra central, a que deu consistência à exposição de artes plásticas, foi a de Victor Brecheret, expressiva e monumental. A obra desse artista atua no contexto da especificidade da arte e é desta maneira que ela se torna o fundamento da participação artística no modernismo. Sabemos que Victor Brecheret não foi o primeiro modernista público. Antes dele, em 1913, o lituano Lasar Segall mostrou o seu trabalho no Brasil. E provocou uma reação morna e amigável. O país, não estava preparado para combatê-lo e provavelmente, Segall não tinha o perfil ideal para ser o inimigo público número um. Esse papel coube a Anita Malfatti, com sua famosa exposição de 1917, alvo da não menos famosa crítica de Monteiro Lobato. A semana de 22 constelou essas questões e tornou-se símbolo dos novos tempos. E apoiou-se na obra de Victor Brecheret, escultor que fornece a concretude que as idéias modernistas necessitavam para sair do sonho e tornar-se realidade. Ele é o mais importante escultor moderno brasileiro. A sua obra começa no expressionismo, como era comum no início do século, depois avança para as formas geométricas e as estilizações do movimento art deco, estilo no qual o artista produz algumas de suas mais importantes esculturas. É desse período o mausoléu da família Penteado, Mis au Tombeau (Sepultamento de Jesus), no cemitério da Consolação, em São Paulo, considerado uma das mais importantes esculturas deco do mundo. Em 1941, Brecheret vence o concurso para fazer o Monumento a Duque de Caxias e cria a maior escultura eqüestre existente no planeta, com 14 metros de altura, sobre um pedestal oco de 24 metros de altura, 7 metros de largura e 11,5 metros de comprimento. A obra está localizada na praça Princesa Isabel, em São Paulo. Em 1953 é inaugurado no Parque do Ibirapuera o Monumento às Bandeiras, imensa escultura em granito que descreve a saga dos bandeirantes e a construção da sociedade paulista. Termina também uma saga particular do artista, pois ele havia vencido o concurso para realizar esse monumento em 1920, mas até então não tinha saído do papel por intrigas e disputas conceituais. Hoje o Monumento às bandeiras é um símbolo da cidade de São Paulo e um dos seus pontos artísticos mais visitados. A partir de 1946, Victor Brecheret, cada vez mais interessado ma mitologia ameríndia, faz uma série de esculturas sobre temas indígenas, entre elas Bartira, considerada umas das mais significativas esculturas brasileiras. Na década de 50, o artista trabalha com pedras, nas quais faz incisões e desenhos em que conta histórias da vida primitiva e ancestral. Essa última fase do artista, que partcipou das principais mostras do país e do estrangeiro, o torna unanimidade nacional e afirma seu gênio criativo e sua originalidade. Brecheret morreu em 1955. AS NOVAS TENDÊNCIAS Em 1947 foi inaugurado o Museu de Arte de Arte de São Paulo (MASP), uma crição de Pietro Maria Bardi e Assis Chateubriand. Bardi era um importante personagem da cena Cultutal Italiana: crítico de arte, historiador, marchand, introdutor da arquitetura racionalista na Itália e "padrinho" da atuação do arquiteto Le Corbusier. Logo após a segunda Guerra Mundial, o jornalista Assis Chateaubriand, dono da maior cadeia de comunicações do país da época, convidou-o para vir ao Brasil e fundar um museu. Bardi aceitou o desafio, declarando-se, também ele, um aventureiro (depoimento no livro Sodalícios com Assis Chateaubriand, de Bardi). Pietro Maria Bardi, encontrou um país em descompasso com o universo intelectual da cultura. Poucas galerias de arte, nenhum museu contemporâneo, sem bibliografia artística, um mundo provinciano. Optou por fazer o museu em São Paulo, e não no Rio de Janeiro, por acreditar que a cidade e o estado, de crescente economia, ofereciam melhores condições. Recebeu um andar na sede dos Diários Associados, na rua Sete de Abril, e iniciou o que seria um verdadeiro apostolado. Sua mulher a arquiteta Lina Bo Bardi, planejou o espaço para o museu. Ao mesmo tempo, Bardi criou a sua galeria, o Mirante das Artes. Bardi dedicou-se à aquisição de um acervo e consegue - devido a seus extensos conhecimentos na área de mercado e de história da arte e também pelos preços aviltados do pós guerra - montar o mais importante acervo de arte da América do Sul, com obras de grandes mestres, como Rafaello, Tintoretto, Pablo Picasso, Van Gogh, Paul Gauguin, Renoir, Monet, Paul Cézanne, Edgard Degas, Edouard Manet, Bellini, William Turner, entre outros. O MASP tornou-se o mais dinâmico centro irradiador da arte e cultura do país, com grandes exposições individuais, como a do suiço Max Bill, em 1950, que influenciou o desenvolvimento da arte concreta no país. Ou com mostras temáticas, como "A mão do povo brasileiro", com cursos de história da arte, desfiles de moda, formação de orquestra juvenil, criação da Escola Brasileira de Propaganda (hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing), Escola de Desenho Industrial, etc. O primeiro desfile de moda em um museu do país foi o do famoso estilista Denner, no MASP. Além disso, Pietro Maria Bardi, através do MASP, iniciou verdadeiramente a bibliografia de arte no Brasil,publicando sistematicamente obras sobre artistas brasileiros, estrangeiros e panoramas da nossa arte. Em 1951 foi criada a primeira mostra Bienal Internacional de São Paulo, sob a égide do Museu de Arte Moderna (MAM), ambos uma criação do Industrial Francisco Matarazzo, conhecido afetivamente nos meios culturas como Ciccillo Matarazzo. A mostra Bienal de São Paulo, mais tarde independente do próprio MAM e constituída em Fundação Bienal de São Paulo, foi a grande abertura brasileira para o intercâmbio e o conhecimento das últimas novidades e experimentos da arte dos principais centros mundiais. Aliás, no regulamento da I Bienal afirma-se justamente este objetivo, o de colocar o país, público e artistas, em contato com o que de mais importante estivesse sendo feito no mundo. Mais tarde, por discórdias e razões diversas, Cicillo Matarazzo criará o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), doando um grande e importante acervo contemporâneo, esvaziando ainda mais o MAM. Hoje o MAC-USP é dos museus mais importantes do continente sul-americano e prepara a transferência de sua sede para um novo prédio, projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, no campus da universidade. A mostra Bienal Internacional de São Paulo, ainda que lutando com dificuldades de várias ordens (financeiras, estruturais e políticas durante o período de autoritarismo militar) modificou radicalmente o panorama da arte brasileira e inseriu o país no circuito dos grandes acontecimentos mundiais do setor. Ainda hoje, mesmo com o advento de mostras similares em outras partes do mundo e pertencendo a um país ainda em desenvolvimento, a Bienal Internacional de São Paulo é uma das mais importantes do mundo e a segunda em número de países e artistas participantes. Desde 1951, em razão da iniciativa de Ciccillo Matarazzo, as novidades, que eram exclusivas dos que viajavam à Europa, passaram a ser acessíveis a todos os interessados. A preseça de Max Bill na I Bienal, aliada à sua exposição e presença no MASP em 1950, teve decisiva influência no país. Criou-se o movimento concretista, liderado por Waldemar Cordeiro, verdadeira revolução estética que propunha uma arte exata, de relações matemáticas e estrutura geométrica. Esse movimento dividiu-se, como de hábito, e os dissidentes formaram o grupo neocentro. Além da importância propriamente dita das propostas estéticas, o concretismo fez uma grande avaliação da cultura brasileira, recuperando artistas esquecidos e submentendo artistas consagrados a uma rigorosa análise. Pode ser dito que o concretismo rompeu definitivamente a tradição bacharelesca com uma visão crítica renovadora e atualizada. Jornalista, crítico de arte, paisagista, líder e teórico do movimento concretista, de personalidade marcante, o romano Waldemar Cordeiro (filho de pai brasileiro e mãe italiana e que chegou ao Brasil em 1946) tornou-se um dos mais importantes artistas do país. Autor de uma obra instigante e revolucionária, que marcou a renovação da arte brasileira na década de 50, ele trabalhou com a geometria, com arte programada (por computador) e com a união de signos populares e formas não ortodoxas. Esta união recebeu o nome de por-cretos, termo cunhado pelo poeta Augusto de Campos. Waldemar Cordeiro está na origem de boa parte da experimentação contemporânea. Foram seus companheiros de grupo, ou sucessores, artistas e intelectuais da importância de Haroldo de Campos,Augusto de Campos, Décio Pignatari, Luís Sacilloto, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Hermelindo Flaminghi, Geraldo de Barros, Maurício Nogueira Lima, Willis de Castro, Hércules Barsotti, Amilcar de Castro, Frans Weissmann, Lygia Pape, Aluísio Carvão, entre outros. Como se vê, muitos dos citados estão definitivamente na história da arte brasileira devido à qualidade da sua obra e inovação lingüistica. O PAPEL DE CÂNDIDO PORTINARI Até hoje, Cândido Portinari, filho de imigrantes italianos, nascido na cidade de Brodósqui (SP), em 1903, é o mais conhecido artista brasileiro. Da segunda geração modernista, Portinari atravessou as turbulências da afirmação do modernismo e a chegada das novas tendências internacionais ao Brasil, seguidamente adotadas como uma imposição imitativa. Até a sua morte, em 1962, Portinari construiu uma obra ímpar, na qual enfrentou os grandes temas da nacionalidade, com uma coragem e crescentes recursos pictóricos, até hoje sem par. Retirantes, uma de suas mais famosas obras, que pertence ao acervo do MASP, tornou-se símbolo do país e da saga de sua população rural, migrante, deslocadas e desenraízadas, em busca de possibilidades objetivas de sobrevivência. O crescimento desordenado das cidades brasileiras, o abandono do campo, a destruição da família e de seus valores tradicionais estão, para sempre, previstos e assinalados por esta pintura. Cândido Portinari oferece uma obra tão vasta e de tanta densidade que a arte brasileria adquiriu uma fisionomia própria. As pinturas "Menino Morto" e "Enterro da rede", feitas em 1945, também do acervo do MASP, formam, junto com "Retirantes", a trilogia trágica da vida nacional e estão entre as mais importantes de seu período histórico. Portinari é também autor de "Tiradentes", a figura mártir da independência brasileira, obra pertencente ao Memorial da América Latina, em São Paulo; dos quatro afrescos da "Sala Hispânica" na biblioteca do congresso em Washington; de "Café", de "Primeira Missa no Brasil"; de "Descobrimento do Brasil"; e dos painéis "Guerra e Paz", feitos para o edifïcio-sede da ONU, em Nova Iorque. A obra de Portinari abrange praticamente todos os temas do país. Fez retratos, obras de temas históricos, obras de temas religiosos, registrou a infância nas cidades rurais, alegorias sobre a vida silvestre e paisagens. Em todos esses assuntos, o artista destacou-se pela capacidade abrangente da visão universal, por uma imaginação grandiosa e por sua fidelidade à pintura como estética. A sua qualidade formal, os seus experimentos formais e o desenvolvimento das relações cromáticas o tornaram ponto de referência obrigatório da arte brasileira. ALFREDO VOLPI Muitos críticos tentaram enquadrar o italiano Alfredo Volpi no movimento concretista, devido ao desenvolvimento geométrico de suas formas, mas ele sempre recusou esta filiação e fingia não compreender bem o concretismo. Volpi nasceu em Lucca, em 1896, e chegou ao Brasil antes de dois anos de idade, com a imigração de seus pais. Entretanto, com o seu modo singelo de proceder, sempre se declarou um homem de Lucca, onde dizia, as pessoas têm muita imaginação. Ele também recusou a pertencer a qualquer grupo organizado, a obedecer a comandos teóricos e a assumir qualquer compromisso que não fosse o da fidelidade à sua sensibilidade e ao desenvolvimento natural de suas preocupações formais. Alfredo Volpi, que começou como artesão especializado em florões decorativos em residências, tornou-se um dos principais artistas brasileiros, construindo uma sólida obra, na qual se destaca a sensibilidade tonal, organizada geometricamente, e utilizando assuntos do cotidiano, tais como bandeirinhas e mastros de festas juninas, fachadas de casas e o oval do contorno de igrejas tradicionais. Esses assuntos tão simples serviram para o artista realizar uma obra de grande alcance, em que desenvolveu os seus temas de maneira seqüencial e recorrente. Volpi sempre declarou que bandeirinhas ou fachadas não eram os seus temas, mas sim formas. A união entre a sensibilidade cromática e o rigor formal tornou Volpi um verdadeiro simbolo da arte brasileira nas décadas de 70 e 80 e um dos maiores pintores da história do país. Como os artistas de sua geração, começou a sua obra com uma pintura figurativa, dentro da tradição impressionista, procurando registrar a emoção da contemplação e uma espécie de acatamento da visualidade convencional. Mas, mesmo neste trabalho de caráter tradicional, Volpi destacou-se pela qualidade da composição e harmonia cromática. A obra de Volpi, uma meditação sobre a visualidade contemporânea, na qual o artista realiza sutis manifestações permutacionais e geometrias de grande lirismo, é única no país e ficou imune à influência dos movimentos estéticos de seu período. É a obra de um introspectivo, dedicado apenas ao seu trabalho, afastado da buliçosa vida social da cidade, entregue ao prazer do convívio de alguns amigos, às relações familiares e à pintura, mantendo sempre o ateliê em sua própria casa. ARTISTAS DIDATAS Alguns artistas ajudaram o desenvolvimento dos conceitos contemporâneos de arte pelo trabalho didático dedicado e contínuo, É o caso de: Aldo Locatelli Italiano de uma tradicional família de artistas do Vêneto, ensinou as técnicas do afresco e do muralismo. Domenico Lazzarini Nascido em Viareggio, em 1920, chegou ao Brasil no início da década de 50. Amava ensinar. Fez longas viagens pelo Brasil, ensinando em lugares distantes como o Paraíba, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, onde finalmente se estabeleceu. Até hoje Lazzarini é lembrado como pioneiro nesses locais. Maria Bonomi Nascida em Meina, em 1935, fixou-se em São Paulo desde 1944 - e Lívio Abramo - filho de imigrantes italianos e de tradicional família ligada à arte e ao jornalismo - mantiveram uma escola de gravura destinada aos jovens artistas, que teve grande influência na arte paulista. Luís Paulo Baravelli Descendente de italianos, manteve, com mais três colegas, a Escola Brasil, de permanmente importância na arte brasileira, oferecendo aos jovens alunos informações e discussões sobre as novas realidades da cultura e da visualidade contemporânea. Cândido Portinari Entendia a atividade didática como uma contribuição efetiva à arte e ao país. Ensinou até o fim de sua vida e teve alguns alunos que se tornaram artistas de grande expressão: Israel Pedrosa, Otávio Araújo, Mário Gruber, Enrico Bianco. João Rossi Filho de imigrantes italianos, gravador, escultor e pintor paulista. Professor de larga experiência, ensinou no Brasil (que percorreu largamente), no Paraguai, no Uruguai e na Bolívia. Destacou-se no desenvolvimento de técnicas não convencionais na área da gravura e do objeto, estimulando os seus alunos na busca da criação individual. É um dos que disseminaram a arte contemporânea e ajudou a fundar várias escolinhas de arte para crianças. Robert Sambonet Nascido em Vercelli, em 1924, teve uma participação efetiva no Brasil, ajudando a implantar os modernos conceitos do desenho industrial e as novas realidades que se abriram aos artistas no príodo da industrialização. Domenico Calabrone Nasceu em Aieta, Calábria, em 1928. Veio para o Brasil em 1954, depois de breve passagem pelo Uruguai. Conhecido escultor paulista, sempre manteve, paralelo à sua grande produção de objetos e esculturas, atividades didáticas, nas quais ensinou os fundamentos das técnicas escultóricas. Zorávia Betioll Filha de imigrantes do Vêneto, ocupou-se em ensinar (primeiro em Porto Alegre, depois em São Paulo) gravura, desenho e fundamentos das técnicas têxteis. Karl Plattner Nascido em Malles Venosta, em 1919, foi professor de Wesley Duke Lee, que por sua vez foi professor de Baravelli, que por sua vez foi professor de uma geração brasileira. A RENOVAÇÃO GRÁFICA Maria Bonomi transformou o espaço da gravura trabalhando com grandes suportes e, assim, modificou a sua condição intimista de leitura próxima em uma contemplação perspectiva. A gravura perdeu o seu caráter ilustrativo e referencial e tornou-se um objeto que interfere diretamente no meio ambiente. Elemento que levou, igualmente, para o trabalho de proporções muralísticas em painéis realizados com cimento. Do ponto de vista da imagem, Maria Bonomi trabalha com a tradição da gravura, com estruturas abstratizantes da realidade cotidiana. A modificação dos formatos e a realização de murais apontam para uma questão de escala: a artista trabalha, anuncia e demonstra a escola de seu país. É um gesto político afirmativo e uma declaração visual de que é possível a construção do destino. Na gravura, Maria Bonomi é pioneira do grande formato, conferindo à cópia um novo valor de comunicação. A sua gravura é uma resposta à moderna arquitetura de amplos espaços de vivência. Como linguagem, o grande formato conferiu uma validade inesperada ao abstracionismo gestual que parecia esgotado. E as combinações e permutações, método da artista com um número limitado de matizes, incorporam um valor matemático ao plástico. A arte como uma permutação a partir de um código e a arte como uma atividade capaz de expandir o gesto numa superfície. Maria Bonomi provou ser possível a qualidade nos grandes formatos e a capacidade do artista em expressar e registrar a linguagem corporal. É, desta maneira, uma artista urbana com sensibilidade pelas questões da metrópole. A forma estética abstrata e gestual, nascida da introspecção sensível do homem numa nova era, encontrou, portanto, uma outra possibilidade de diálogo. Não mais apenas o confronto do artista com seu suporte pictórico, o discurso de seu psiquismo exacerbado, mas, igualmente, o diálogo gráfico seriado e com grande quantidade de fruidores. A NOVA TESSITURA A tapeçaria ressurgiu vitoriosamente no universo da arte erudita. A sensorialidade contemporânea abriu-se para si mesmo, e o homem voltou a perceber o seu ser completo, feito de sensibilidade, sensualidade e pensamento. As fibras do homem. A tapeçaria renasceu de maneira diferente, não mais como desenho em fundo tecido, mas como forma tecida, ocupando todo o espaço, como uma escultura. E Norberto Nicola, paulista, filho de imigrantes italianos, é um dos principais criadores tapeceiros da nossa época. Ele soube trazer um dado especial para o seu fazer, uma atmosfera inesperada, uma certa suspresa corporal, um amor ao tato, uma grande intuição cromática e uma permanente atenção aos valores estéticos. Sua tapeçaria é brasileira, o que pode ser visto pelas cores inesperadas, pela espontaneidade, pela memória aos objetos populares e ancestrais brasileiros, tais como o trançado de palha, as bandeiras folclóricas, as vestimentas das cavalhadas, os brilhos das festas populares, a plumária indígena. Nicola faz uma tapeçaria em que o acaso é sabiamente conduzido para não esquecer o tátil e não perder os ensinamentos da ciência cromática. Poucos artistas terão sabido encarnar tão justamente uma nova tendência. A forma tecida aproveita a tradição da tapeçaria, os ensinamentos da abstração na escultura,os novos espaços criados pela arquitetura e o gesto humano em direção ao encontro de sua própria carnalidade. Nicola é um dos líderes, na sua arte, dessa tendência e, ao contrário da tapeçaria tcheca e polonesa, ele não torna os seus conceitos explícitos. É a própria forma tecida a reveladora das idéias. O tecer tem caráter simbólico e a tessitura organiza o observar e o ser. O ato da tapeçaria, pela sua natureza sensorial - ser feita enquanto se constrói- impedindo prévio planejamento, é a sua verdadeira resposta às questões atuais. ATUALMENTE... Em nossos dias, ainda que a população não veja diferença essencial entre italianos, descendentes e brasileiros, para efeito de registro, é grande a presença de italianos e descendentes nas artes brasileiras. Alguns deles: Mino Carta Nascido em Gênova, em 1934, está no Brasil desde 1946, quando veio acompanhando o pai, o jornalista Giannino. De tradicional família de jornalistas, também ele um jornalista de grande destaque, tem uma tradição pessoal mais longa ainda de pintor; já que aos 14 anos era aluno de Jorge Mori e mais tarde aluno de Carlo Carrá, famoso artista italiano. Mino Carta tem uma pintura figurativa, voltada para a narração das questões humanas - o homem no universo social e o homem e as suas memórias. É uma pintura de forte carga simbólica e grande requinte cromático. O artista opta pela pintura e não por uma pretensa criatividade, e no seu trabalho pode ser observado o tratamento rigoroso do desenho e da cor. É um pintor que se interessa por pintores e pela história da arte. A pintura como veículo completo e absoluto da arte. Arcangello Ianelli Filho de imigrantes italianos, é um dos mais importantes artistas brasileiros. A sua obra percorre a tradição da arte moderna, tendo começado figurativa e, ao longo de cinquenta anos, tornou-se lentamente abstrata. Primeiro, com uma organização geométrica e, hoje com um trabalho dedicado á sensibilidade tonal, em que a cor é estabelecida em faixas e dotadas de uma matéria delicadíssima. Ermelindo Nardin Nasceu em São Paulo, em 1940. Filho de um arquiteto italiano, é gravador e pintor de grande destaque na sua geração. Seu trabalho tem um caráter expressionista, com ênfase na emoção, mas é fundado num grande conhecimento técnico. Thomaz Ianelli Um dos grandes líricos da pintura nacional, desenvolveu uma linguagem extremamente pessoal, com reminiscências e uma atmosfera de valorização do universo puro e infantil. Dan Fialdini Filho de imigrantes, é um curioso escultor de temas metafísicos. Trabalha o mármore com delicadeza, criando pequenas cenas e signos que interagem formando conjuntos em que o tempo parece imóvel. Cláudio Tozzi Certamente é um dos mais importantes artistas pop do país. Nascido em 1944, também filho de imigrantes, Tozzi desenvolveu intensa atividade como artista, programador visual e artista gráfico. Fez séries memoráveis, como as dos crimes urbanos, a reinvenção das histórias em quadrinhos, a criação de objetos e de temas metafísicos. O Bandido da Luz Vermelha, Cenas urbanas, Parafusos e Escada são algumas dessas séries. Atualmente, cria pinturas e pinturas-objetos, no meio caminho entre a pintura bidimensional e a escultura tridimensional. Num livro desse tipo, é impossivel dedicar espaço a cada um dos artistas. Além dos nomes já citados, convém, entretanto, não esquecer artistas importantes como Mário Zanini, Élvio Becheroni, Bruno Giorgi, Riccardo Cipicchia, Eliseu Visconti, Hermelindo Fiaminghi, Aldo Bonadei, Ado Malagoli, Paulo Osir Rossi, Ivald Granato, Pietrina Checcaci, Odetto Guersoni, José Pancetti, Carybé, Lamberto Spioni, Renato Brunello, Flávio Império, Arthur Luís Piza, Roberto Moriconi, Luís Sacilotto, Ettore Ximenes, Giancarlo Zorlini, Carlos Oswald, Ítalo Cencini, Quirino Campofiorito, Ernesto de Fiori, Hugo Adami, Galileo Emendabili, Mick Carnicelli, Gerda Brentani, Ana Maria Maiolino, Luigi Brizzolara, Ângelo Taccari, Poty Lazarotto,Ângelo Agostini, Donato Ferrari, Amedeu Zani, Vittorio Gobbis, Maria Polo, Bassani Vaccarini, Luigi Zanoto, Cirton Genaro, Vicente Mecozzi, Giuseppe Perissinoto, Eugênio Prati, Júlio Starece, Menotti del Picchia, Berenice Gorini, Luís Ventura, Clóvis Graciano, Theodoro de Bona, Lélio Coluccini, Ângelo Simeone, Ottone Zorlini, Ângelo Venosa, Iole de Natale, João Bez Batti, Enrico Camerine, Luís Andreatini, Carlos Pasquetti, João Batista Ferri, Adolfo Rollo, Élio de Giusto, Elvio Lemmi, Cezira Carpanezzi, Odilla Mestriner, João Tossini, Sérgio Bertoni, Bartolomeu Cozzo, Antelo del Debbio, Gaetano Fracarolli, Alfredo Ceschiati, Gaetano Miani, Alberto Friolli, Élvio Benito Damo, Sérgio Ferro, Fulvio Pennacchi,Danilo de Prete, Anna Dorsa.

Assis Chateaubriand (à direita) discursando na inauguração do Museu de Arte de São Paulo, no dia 2 de outubro de 1947. A seu lado, Pietro Maria Bardi. foto 1 - Pietro Maria Bardi foto 2 - Francisco Ciccillo Matarazzo, na II Bienal Internacional de São Paulo. foto 3 - Alfredo Volpi

Data 14/04/2007
Fonte Jacob Klintowitz/ecco

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