Título Arte Pluralista
História da Arte Uma das características mais importantes da arte contemporânea é a diversidade- de temas, referências, materiais, suportes e processos de realização. Basta um rápido passeio por uma bienal para identificar um dos traços mais marcantes da arte de hoje: a pluralidade. São dezenas de artistas e centenas de obras em exposição, e cada uma parece indicar um caminho completamente distinto. Impossível determinar um estilo, corrente ou tendência predominante-ainda que, em mostras como estas os trabalhos sejam reunidos em torno de um tema definido pelo curador. Ao lado de vídeos e instalações, convivem democraticamente fotografias, objetos, performances, intervenções e até mesmo pinturas. A arte contemporânea é avessa à idéia de uniformidade. Mas essa não é uma particularidade da produção artística. A multiplicidade é marca dos tempos atuais, seja na ciência, na filosofia, na gastronomia ou na televisão. É o famoso de tudo um pouco, que caracteriza quase todos os campos da cultura e permite que artistas e pensadores dêem vazão a múltiplas experiências, propostas e reflexões. Sob a genérica etiqueta de arte contemporânea, agrupam-se inúmeros trabalhos distintos na forma, nos materiais, na intenção, nas referências, no processo de realização e na maneira como são apresentadas. O pluralismo é a condição da arte atual. Há quem diga, que hoje em dia, cada artista cria o seu próprio estilo. A idéia leva a crer que todo criador é fiel a um tipo de criação, o que está longe de ser verdade. Basta lembrar a obra de Picasso, que deixou claro que um artista não precisa permanecer preso a um único movimento. Se o pluralismo é uma das principais marcas da arte atual, ele também é responsável por muitas das discussões em torno do assunto. Há quem diga que a característica acaba dando espaço a criações duvidosas, uma vez que os limites da arte já não são tão precisos como antigamente. "Mas isto acontece em qualquer campo do conhecimento. Quanto maior a diversidade, maior a chance de existir coisas ruins", diz Neiva Bohns, professora de Arte da UFPEL. E acrescenta:" o contrário deste pluralismo ninguém quer. Ou alguém toparia uma ditadura de estilos?". O curioso é que, ao mesmo tempo em que o termo arte contemporânea não se refere a um padrão específico de obras, também não tem um sentido cronológico, como o nome leva a crer. Nem tudo o que se produz no campo da arte hoje é contemporâneo, ou seja, a etiqueta não serve para classificar toda a produção atual. Há quem defenda que, no futuro, os historiadores terão de encontrar um termo para denominar a arte dos últimos 40 anos, ou vários termos que possam dar conta desta diversidade. TEM TUDO, MAS NÃO VALE TUDO. O crítico, curador e professor da USP Agnaldo Farias afirma que a produção artística nunca foi tão plural quanto hoje, mas que esta situação não justifica o "vale-tudo" que muitos afirmam existir na arte contemporânea. Nunca passamos por um momento tão pluralista com este. É uma característica que vem se desenvolvendo desde os anos 50 e se acentua nos anos 60, quando as fronteiras entre as expressões artísticas se tornaram mais fluídas. Antes, cada linguagem estava voltada para si mesma: a pintura discutia elementos estritamente pictóricos, a escultura discutia elementos estritamente escultóricos e assim por diante. Com a crise da arte moderna, a gente passa a ter expressões que não são nem escultura, nem pintura, nem desenho, mas carregam vários desses elementos. Hoje em dia não há mais limites claros entre as expressões artísticas. Até o século 19, havia cânones tão fortes que era praticamente proibido desobedecê-los. "As categorias na arte contemporânea são sempre difíceis de designar porque nunca dão conta de definir as coisas. Mas o que vale é o seguinte: nem toda a criação propicia um estado de suspensão ou de ruptura. Eu cobro da arte que ela me inquiete. Isto poderia ser uma definição: contemporâneos são todos os trabalhos que não são acomodados. Por isso eu diria: nem tudo que é feito agora é arte contemporânea. Tem muita gente que faz arte hoje por diletantismo. Não dá para colocar na categoria de arte contemporânea." Arte contemporânea tem de ter um comprometimento com o nosso tempo, com as nossas questões. O artista precisa ter uma posição em relação ao mundo em que vive, não pode se esquivar dele. E isso pode acontecer quando se faz uma instalação ou uma pintura. Não existe um suporte que seja mais contemporâneo que outro. A incorporação das novas mídias é natural. Na arte contemporânea tem de tudo, mas não vale tudo. A obra tem de ter inteligência, solidez. Sempre vai haver o joio e o trigo: trabalhos que tem qualidade e trabalhos que não tem. Nossa tarefa é separá-los Tem gente com talento e tem gente sem talento. Só não dá para nivelar todo mundo por baixo. Extraído do artigo "Tem de tudo, mas não vale tudo" da revista Aplauso- nº 58- ano 7 Foto deRicardo Duarte publicada no Jornal ZH de 18/10/2005 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- PLURALISMO Pluralismo Michael Walzer A justiça distributiva é um conceito amplo. Põe o universo dos bens totalmente ao alcance da reflexão filosófica. Nada é omitido e nenhum aspecto da nossa vida escapa a um exame minucioso. A sociedade humana é uma comunidade distributiva. Não é apenas isso, mas é-o de modo importante: nós reunimo-nos para partilhar, dividir e trocar. Reunimo-nos também para fazer as coisas que são par-tilhadas, divididas e trocadas, mas mesmo essa execução - o próprio trabalho - é distribuída entre nós no que se chama a divisão do trabalho. O meu lugar na economia, a minha posição na ordem política, a minha reputação entre os meus colegas, o meu património pessoal, tudo isto me vem de outros homens e mulheres. Pode-se dizer que é certo ou errado, justo ou injusto, ter eu aquilo que tenho; porém, tendo em atenção a diversidade das distribuições e o número de participantes, esses juízos nunca são fáceis. O conceito de justiça distributiva tem tanto a ver com ser e fazer como com ter, tanto com a produção como com o consumo, tanto com a identidade e a posição como com a terra, o capital ou os bens pessoais. Diferentes combinações políticas exigem, e diferentes ideologias justificam, diferentes distribuições da qualidade de membro, bem como de poder, honra, respeito, eminência ritual, graça divina, parentesco e amor, riqueza, segurança física, trabalho e lazer, recompensas e punições e ainda de uma porção de bens concebidos de maneira mais pormenorizada e concreta: alimentação, alojamento, vestuário, transportes, assistência médica, bens de qualquer espécie e todas aquelas coisas pouco vulgares (quadros, livros raros, selos) que os seres humanos coleccionam. E a esta multiplicidade de bens corresponde uma multiplicidade de processos distributivos, agentes e critérios. Há, por exemplo, sistemas distributivos simples: galés de escravos, mosteiros, manicómios e jardins-de-infância (embora, se analisarmos atentamente cada uma destas espécies, lhes encontremos complexidades inesperadas); porém, nenhuma sociedade humana desenvolvida conseguiu, até hoje, evitar a multiplicidade. Teremos que estudá-los a todos, tanto os bens como as distribuições, e em épocas e lugares muito diferentes. Não há, contudo, um ponto único de acesso a este universo de combinações e ideologias distributivas. Nunca existiu um meio universal de trocas. A partir do declínio da economia de troca directa, o dinheiro passou a ser o meio mais comum. Porém, a velha máxima segundo a qual há coisas que o dinheiro não compra, é verdadeira, tanto do ponto de vista normativo como real. Aquilo que deveria ou não deveria estar à venda é algo que os homens e as mulheres têm sempre de decidir e têm decidido de muitas e diferentes maneiras. O mercado tem sido, através da história, um dos mais importantes mecanismos de distribuição dos bens sociais; contudo, nunca foi, e está muito longe de o ser ainda hoje, um sistema distributivo completo. Do mesmo modo, também nunca houve um centro único de decisão a partir do qual todas as distribuições fossem controladas nem um grupo único de agentes a tomar decisões. Nenhum poder público foi alguma vez tão penetrante que tivesse conseguido regular todos aqueles modelos de comparticipação, divisão e troca que dão forma a uma sociedade. As coisas escapam ao domínio do estado; concebem-se novos modelos, como redes familiares, mercados negros, alianças burocráticas e organizações políticas e religiosas clandestinas. As autoridades públicas podem obrigar ao pagamento de impostos, recrutar, atribuir, regular, nomear, recompensar ou punir, mas não podem controlar todos os bens nem fazer-se substituir pelos outros agentes de distribuição. Nem mais ninguém pode fazê-lo; no mercado há estratagemas e açambarcamentos, mas jamais existiu uma conspiração distributiva que tenha obtido um êxito total. E, finalmente, nunca existiu um critério único nem um conjunto único de critérios interligados para todas as distribuições. Merecimento, aptidão, nascimento e linhagem, amizade, necessidade, livre troca, lealdade política, decisão democrática, todos ocuparam os seus lugares, juntamente com muitos outros, numa coexistência incómoda, invocados por grupos concorrentes, confundidos uns com os outros. Em matéria de justiça distributiva a história mostra-nos uma grande diversidade de combinações e ideologias. Contudo, o primeiro impulso do filósofo é o de resistir às mostras da história, ao universo das aparências e ir em busca de uma unidade subjacente: uma curta lista de bens essenciais rapidamente resumida num único bem; um critério distributivo único ou um conjunto interligado; e o próprio filósofo colocado, pelo menos simbolicamente, num único ponto de decisão. Na minha opinião, ir em busca da unidade é não compreender o objecto da justiça distributiva. Contudo, num certo sentido, o impulso filosófico é inevitável. Mesmo que optemos pelo pluralismo, como é o meu caso, essa opção requer uma defesa coerente. Tem de haver princípios que justifiquem a opção e lhe tracem limites, pois o pluralismo não nos exige que perfilhemos todo e qualquer critério distributivo ou que aceitemos todo e qualquer candidato a agente. Podemos admitir que haja um princípio único e uma única espécie legítima de pluralismo. Continuaríamos, porém, perante um pluralismo compreensivo de uma grande diversidade de distribuições. Contrastando com isto, a mais funda convicção da maioria dos filósofos que escreveram sobre a justiça, de Platão em diante, é a de que há um e apenas um sistema distributivo que a filosofia pode correctamente compreender. Este sistema é hoje vulgarmente descrito como aquele que seria escolhido por homens e mulheres racionais se fossem obrigados a escolher imparcialmente, ignorando a sua própria situação, impedidos de fazer reivindicações individuais e numa situação em que são confrontados com um conjunto abstracto de bens. Se estas restrições ao conhecimento e à capacidade reivindicativa forem convenientemente concebidas e se os bens forem definidos por forma apropriada, chegar-se-á provavelmente a uma conclusão singular. Homens e mulheres racionais, constrangidos desta ou daquela maneira, optarão por um e apenas um sistema distributivo. Não é, porém, fácil de avaliar a força dessa conclusão singular. É com toda a certeza duvidoso que esses mesmos homens e mulheres, uma vez transformados em pessoas comuns, com uma forte consciência da própria identidade, com os seus próprios bens nas suas mãos e enredados nos problemas do quotidiano, reiterassem aquela sua hipotética opção ou sequer a reconhecessem como sua. A questão mais importante não é a do individua-lismo do interesse, o que os filósofos sempre afirmaram poder com segurança - ou seja, incontestavelmente - pôr de lado. As pessoas comuns também o podem fazer, digamos que em nome do interesse público. O maior problema reside no particularismo da história, da cultura e da qualidade de membro. Mesmo que estejam empenhados na imparcialidade, a questão que mais provavelmente se colocará nos espíritos dos membros de uma comunidade política não será "Qual será a escolha de indivíduos racionais em condições de universalização de tal ou tal espécie?", mas antes "Qual será a escolha de indivíduos como nós, posicionados como estamos, participando de uma cultura e dispostos a continuar a dela participar?" E esta questão pode ser facilmente transformada em "Que opções fizemos já no decurso da nossa vida comum? Que conceitos partilhamos (realmente)?" A justiça é uma construção humana e é duvidoso que só haja uma maneira de a atingir. De qualquer modo, começo por pôr em dúvida, e mais do que isso, esta ideia-modelo filosófica. As questões postas pela teoria da justiça distributiva admitem várias respostas, havendo aí espaço para a diversidade cultural e a opção política. Não se trata apenas de executar um certo princípio único ou um conjunto de princípios em diversos contextos históricos. Ninguém nega que haja várias formas de execução moralmente permitidas. Vou mais longe do que isso e afirmo que os princípios de justiça são, eles próprios, pluralistas na sua forma; que os vários bens sociais devem ser distribuídos com base em motivos diferentes, segundo processos diferentes e por diversos agentes; e que todas estas diferenças derivam de diferentes concepções dos próprios bens sociais - consequência inevitável do particularismo histórico e cultural. Michael Walzer Retirado de As Esferas da Justiça, Trad. de Nuno Valadas, Editorial Presença, 1999, pp. 21-23.
Data 25/03/2010
Fonte cda

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