História da Arte |
Graffiti uma arte bem urbana
Desde os tempos do homem das cavernas, até os nossos dias, o fenômeno da representação pelo desenho vem ocorrendo. Ao desenhar em suas paredes, o homem das cavernas procurava abstrair o animal desejado por ele, sem possuir noção do que fosse arte. Ele apenas representava o animal desejado por crença em conseguir caça-lo para sua sobrevivência. No entanto, ao manifestar-se, ele já demonstrava vontade de se expressar.
A tinta spray surge nos EUA junto com o "boom" da indústria automobilística nos anos 50. Ela foi desenvolvida neste período para ser empregada em pequenos reparos domésticos como: geladeiras, fogões, etc, e até mesmo nos reparos de latarias de automóveis que tivessem suas pinturas danificadas. Com o surgimento do movimento Hippie nos anos 60 nos EUA contra o "establishment", países do terceiro mundo, não só passaram a se utilizar da lata de tinta spray para reparos domésticos, mas também para expressar palavras de ordem em oposição à situação política vigente em seus países, nas suas manifestações de rua.
No Brasil não foi diferente. Após o período do uso do piche pelas agências de propaganda, principalmente nos anos 40/50 com as Casas Pernambucanas anunciando sua linha de produtos nos muros e suportes públicos dos mais diversos, o spray também chega ao Brasil e passa a ser empregado nos anos 60 como mais um material utilizado para propagação de palavras de ordem nas principais cidades do país, anunciando o possível golpe de Estado que estaria por nos colocar em processo de estagnação política e das liberdades democráticas. Foi então, durante este período de transição histórico-político pelo qual passamos, que um artista etíope naturalizado brasileiro e de nome Alex Vallauri começa no cais do porto de Santos, cidade onde viveu com a família por alguns anos, a criar seus primeiros personagens. Tratava-se de suas primeiras imagens iconográficas que retratavam os atores sociais do cais do porto: marinheiros, prostitutas, estivadores, etc.
Neste mesmo período nos EUA, surgiam as grandes expressões da pop arte, que já começavam a usar o spray como material-suporte para suas obras "semiótica-contemporâneas" ( leia-se artistas de peso como Andy Warhol, Roy Lieinchestein, etc). Pesquisador da variedade de imagens que os simples carimbos de almofada ofereciam, além dos processos de repetição de imagens proporcionadas pela arte do clichê, Alex começa a desenvolver a partir das técnicas da gravura, suportes que os profissionais da área chamam de recortes ou matrizes. Estudioso dedicado, Alex passa então a realizar uma fascinante viagem pelo mundo dos papéis de embrulho dos mais diversos, que com suas marcas e desenhos de criação características e comumente utilizados por açougues, padarias, farmácias, formavam um vastíssimo e rico arquivo imagético para seus propósitos artísticos.
Deste período de gestação criativa até sua viagem para Nova York onde manteve contato com o que de melhor vinha acontecendo lá, Alex deixa no Brasil a primeira semente de sua arte, que anos depois viria a germinar. De volta ao país já nos anos 80, Alex começa aqui o processo de difusão da arte do graffiti, contemplando-nos com o aparecimento da imagem de uma pequena mas muito curiosa botinha da couro preta ( quem não se lembra?). Neste período, já conhecíamos semelhante fenômeno que não só de uso político em muros, mas em muitas pedras existentes ao longo das rodovias do Brasil. Tratava-se da mensagem de um novo tipo de raça de cão que vinha sendo reproduzida aqui: o "CÃO FILA".
Curiosamente, surge um jovem adolescente de classe média ( hoje artista plástico formado por universidade) que passa a "pichar" seu próprio nome em todas as cidades do Brasil. Seu nome: JUNECA. Das muitas relações criativas com diversos artistas de peso como: Carlos Matuck e irmãos, Hudinilson Jr. dentre outros, Alex Vallauri continuava produzindo. Da amizade de muitos anos, Alex retoma projetos artísticos com o até então, polêmico e versátil escritor, artista plástico e multiperformer Maurício Villaça.
A partir deste encontro, muitos projetos começam a surgir, e Alex decide participar da Bienal de São Paulo trazendo a público por completo, com bota e tudo mais, a sua "Rainha do Frango Assado". Maurício Villaça começa a dominar as técnicas do grafite e junto com Alex acaba por difundir as muitas possibilidades plásticas que o graffiti poderia proporcionar. Mais nomes de expressão na arte do graffiti estão presentes: John Howard, Grupo Tupynãodá, Ozéas Duarte, Eduardo Castro, dentre outros. A "Rainha do Frango Assado" ganha corpo e na figura da bailarina Mara Borba vai para o teatro e faz sucesso. Nesta mesma época, na voz de Caetano Veloso, o graffiti ganha pulso musical e serve como inspiração para o compositor. Muitos adeptos do graffiti começam a surgir.
Fascinados pelas múltiplas possibilidades plásticas que a arte do graffiti oferecia, muitos jovens artistas sofrem influências e acabam formando o que se chamou da "geração de grafiteiros dos anos 90". Junto com a "boom" do graffiti, surge uma geração de jovens da periferia da cidade que com uma latinha de spray na mão, passa a se expressar, pichando os monumentos e obras arquitetônicas da cidade. Preocupados com esta avassaladora onda de pichação, mortes e perseguições que estes "pichadores" passam a enfrentar, Maurício Villaça, Ozéas Duarte, Eduardo Castro, Hudinilson Jr, e muitos dos artistas da geração 90 passam a oferecer oficinas de graffiti para estes jovens. A iniciativa traz resultados. Muitos deixam de lado a pichação e passam a fazer parte do universo da arte do graffiti, surpreendendo com sua criatividade e técnica.
Todos os anos comemora-se dia 27 de Março o "Dia Nacional do Graffiti no Brasil" por decreto lei sancionado pelo Presidente da República, data da morte do artista Alex Vallauri. Maurício Villaça veio a falecer no ano de 1993. Os dois artistas, irmão e querido amigo, bem como outros que continuam, deixaram deste período muitas lembranças e fortes influências, diria, revolucionárias na história das Artes Plásticas no Brasil.
Marcos Villaça
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