História da Arte |
Alexandre Manoel Ferrerira | 23/11/2005
A pichação surge, no Brasil, na época do processo de abertura política do regime militar como uma forma de expressar opinião política e anseio à democracia através de frases como: "Abaixo a ditadura" e outras menos diretas como: "Abaixo a vida dura", "Une dune tre" e "Anestesie já".
O movimento punk se utilizou dos muros da cidade para propagar seus ideais ("vote nulo", "não sustente parasita") além de "decorar" seus locais de encontro com o nome das bandas mais representativas do seu estilo ("Ramones", "Sex Pistols" etc).
A propaganda também foi uma grande - se não a maior - colaboradora para o desenvolvimento da pichação ("Cão fila km 26". Isso sem mencionar as propagandas eleitorais feitas diretamente sobre os muros).
Mas, é por volta de 78 que as inscrições urbanas adquirem um caráter mais pessoal e subjetivo através das chamadas pichações poéticas: frases de conteúdo enigmático ("Celacanto provoca maremoto", "Rendam-se terráqueos"), brincadeiras verbais ("Ouvindo a vaia do vento", "Viola o violão") ou necessidade de se mostrar perante a sociedade ("Eu existo" e "Sou pipou", referindo-se a People - povo em inglês).
Nesse mesmo período surgem desenhos feitos com a técnica do stencil (ou máscara, molde vazado feito de papel resistente que, depois de feito o desenho, se recorta a região onde será aplicada a tinta. Essa técnica possibilita a repetição do mesmo desenho em diversos locais pela cidade) que tem Alex Vallauri como seu percussor.
Anterior ao stencil, os desenhos já faziam parte das inscrições pela cidade, mas, em sua maioria, estavam vinculados a alguma frase ("Ah beije-me", "É difícil"). Com o advento do stencil - ou paralelo a ele - os desenhos se libertam dos textos e passam também a disputar espaço, agora autônomos, nos muros, viadutos etc.
No inicio dos anos 80 chega ao Brasil o movimento hip hop, cultura de rua dos guetos negros norte americanos, e este trás consigo o estilo americano de graffiti: letras entrelaçadas de difícil compreensão e quase sempre muito coloridas. Devido ao forte trabalho que o hip hop desenvolve junto às comunidades carentes - mas não só restrito a elas - o estilo americano é o estilo de graffiti que mais se popularizou (geralmente nas muitas oficinas de graffiti é esse estilo que as pessoas tomam contato primeiro). Desta vertente surgiram artistas hoje consagrados como Binho, Speto e Os Gêmeos.
Também no início dos anos 80, surgem as primeiras gangues - ou crew - de pichadores (pixadores, como eles se auto-denominam). Vale lembrar que antes dessas turmas já existiam pessoas que somente assinavam seus próprios nomes, o pichador mais famoso desses solitários foi Juneca.
Se o graffiti/pichação, nos EUA, começou como marca de território de gangues e depois invadiu o metrô, os pichadores brasileiros, além de seguirem os mesmos passos dos artistas norte americanos, foram os primeiros no mundo a conquistarem também o topo dos prédios. Enquanto os graffiteiros trabalham no subsolo e no "térreo" das cidades, os pichadores escalam prédios para escreverem seus nomes acima das cabeças das pessoas, interferindo, assim, na hierarquia social dos centros urbanos. Um fato que contribui para esse monopólio dos pichadores é que seus materiais (spray, tinta e rolinho) são mais fáceis de carregar até o topo dos prédios (lembrando que os pichadores escalam por fora ou entram escondidos dentro dos edifícios), é claro que, geralmente, ambos - pichadores e graffiteiros - utilizam-se dos mesmos materiais, mas os graffiteiros costumam usar uma quantidade maior de latas de tinta e spray, dificultando, assim, o acesso ao topo dos prédios.Outro aspecto importante é que as letras dos grupos de pichadores, embora ilegíveis para o grande público - e, às vezes, até para outros pichadores, funcionam como um logotipo: você não precisa ler o nome inteiro para reconhecer quem é o autor, basta apenas identificar o formato de uma letra, específica de cada grupo. Já os desenhos, dificilmente repetidos pelos graffiteiros, possuem detalhes demais para serem facilmente identificados de uma altura considerável.
Xuin foi um dos primeiros pichadores a escrever seu nome no topo dos edifícios.
O Brasil é um dos poucos lugares no mundo onde se pode fazer um graffiti de dia. Na Europa, por exemplo, a repressão é tanta que existe até a polícia do graffiti, especializada em manter a cidade limpa e sem a interferência desses verdadeiros artistas de rua. Para burlar a repressão, os artistas desenvolveram a técnica dos sticker (adesivos). Ao invés de perder tempo e correr o risco de ser pego (as cidades européias possuem uma grande quantidade de câmeras vigiando suas ruas), eles simplesmente chegam no lugar desejado e colam seus sticker: rápido, prático, fácil de carregar e de esconder.
O único problema dos sticker é o preço de sua confecção (geralmente são impressos usando serigrafia), como o graffiti é, tradicionalmente, feito com baixos custos, os artistas apropriaram-se, novamente, de uma técnica usada pela propaganda: o lambe-lambe (papel, de qualquer tamanho, colado diretamente sobre a parede. Na propaganda o lambe é utilizado, principalmente para a divulgação de shows).Com essa técnica, elimina-se o problema do tamanho dos sticker (geralmente pequenos devido ao trabalho e um custo alto da impressão).
É importante deixar claro que o sticker não é uma técnica elitista, apesar do já mencionado custo de confecção, cada artista tem seus meios de economizar na produção de seus trabalhos: alguns procuram fitas adesivas no lixo de empresas que as produzem, outros escrevem diretamente sobre o adesivo, economizando com a tinta da impressão, outros, ainda, imprimem sobre papel contact etc.
Se o graffiti não é tão reprimido no Brasil, a pichação é. Todo pichador conhece, ou já sentiu na pele, histórias de agressão dirigidas a pessoas que são flagradas pichando a cidade. Para evitar essas agressões, surgem, no Brasil, as tags.
A tag nada mais é do que a assinatura, rápida, da pessoa feita com giz, pincel atômico e outros materiais comuns e fáceis de esconder (características que permitem realizar a tag até de dia).
Um fato curioso é que a tag foi a primeira manifestação do graffiti norte americano e, no Brasil, foi introduzida pelos graffiteiros como forma de assinarem seus trabalhos.
BIBLIOGRAFIA
Almanaque de Graffiti, editora Escala, São Paulo, s/d.
Barbosa, Maria Cecília Rais - "Graffiti: sua velocidade, seu tempo, seu público", dissertação de mestrado - Unesp, 1995
Costa, Roaleno Ribeiro Amancio - "O graffiti no contexto histórico-social, como obra aberta e uma manifestação de comunicação urbana", dissertação de mestrado - ECA/USP, 1994
Fonseca, Cristina - "A poesia do acaso: na transversal da cidade", T. A. Queiroz, São Paulo, s/d.
Gitahy, Celso - "O que é graffiti", Editora brasiliense, São Paulo, 1999
Látex #1, revista, 2005
Manifest nº3, revista, 2005
Pixografia nº 1, revista, 2005
Ramos, Celia Maria Antonacci - "Grafite, pichação e cia.", Ed. Annablume, São Paulo, 1994
|