Título Reminiscências do Ciclo da Borracha
História da Arte O naturalista francês Charles Marie la Condamine ficou muito interessado quando tomou conhecimento da pegajosa e espessa seiva com a qual os índios da Amazônia, no século XVIII, confeccionavam objetos. Assim relatou sua descoberta na Academia de Ciências da França, em 1774: "Os índios fabricam garrafas, botas e bolas ocas, que se achatam quando apertadas, mas que tornam a sua primitiva forma desde que livres". Ali foi dado o primeiro passo para o advento do Ciclo-da-Borracha, que levou Manaus e Belém a viverem um período de fausto e esplendor, principalmente nas últimas duas décadas do século XIX, quando a produção da borracha atingiu seu apogeu. Após a descoberta da borracha e de suas diversas utilidades, o produto alcançou elevadas cotações no mercado internacional, enriquecendo rapidamente os barões da borracha, também conhecidos como "coronéis de barranco". Tão incultos quanto ricos, os novos milionários da região, ao resolverem embelezar suas principais cidades, Manaus e Belém, decidiram transformá-las em verdadeiras Paris tropicais. O Teatro Amazonas nada mais é que uma tentativa de réplica da Ópera de Paris. Todos os materiais usados em sua construção foram importados da Europa, para não perder o ar de cultura e civilização que aqueles mecenas atribuíam aos materiais do velho continente. Em que pese o exotismo da idéia e os altíssimos custos, o Teatro Amazonas resultou numa construção suntuosa e de extremo bom gosto. A obra foi contratada em 1882, mas ficou parada por vários anos, entre polêmicas sobre a sua necessidade, porte e valor. Sua construção só tomou impulso no governo de Eduardo Ribeiro, em pleno apogeu do ciclo da borracha. A primeira planta do teatro a ser aprovada foi a do Liceu de Engenharia de Lisboa, mas muitas mudanças se processaram a partir do desenho original. Toda a decoração interna foi realizada por Crispim do Amaral, com exceção do Salão Nobre, área mais luxuosa do prédio, que ficou ao encargo do artista italiano Domênico de Angelis, auxiliado por Silvio Centofanti, Francisco Aleghine e Adalberto Andreis. Destaca-se no Salão Nobre a pintura do teto, assinada por De Angelis, em 1899, denominada "A Glorificação das Bellas Artes na Amazônia". Em pleno desenvolvimento, a cidade de Manaus tinha ume elite exigente, que importava obras de arte e artigos luxuosos e exigia a construção de um centro cultural e artístico, onde inclusive as senhoras dos barões da borracha poderiam ostentar seus vestidos e jóias caras. O teatro veio preencher essa lacuna. Foi o arquiteto italiano Celeste Sacardim quem definiu e comandou a construção do magnífico prédio. Vieram da Europa pinturas, mármores de Carrara, lustres e espelhos de cristais, pórticos, esculturas, candelabros e porcelanas. Seus painéis, pintados pelos artistas De Angelis e Caprenesi, eram feericamente iluminados por preciosos lustres de cristal da Bohemia. Por ser considerado um lugar remoto, do ponto de vista Europeu, Manaus não conseguia atrair estrelas da ópera à altura de seu teatro. Foi inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com a apresentação da Companhia Lyrica Italiana, que encenou "La Gioconda" de Ponchielli. Enrico Caruso, convidado a apresentar-se a peso de ouro, recusou-se temendo as febres tropicais. Sua presença em cartazes que anunciam espetáculos deve-se à imaginação do cineasta Werner Herzog que, em seu filme Fitzcarraldo, cujo tema é o apogeu do ciclo-da-borracha, colocou Caruso ao lado da francesa Sarah Bernardt, encantando os milionários do látex. Segundo o historiador Clarivaldo Valadares, o Teatro Amazonas funciona normalmente como casa de espetáculos, com atrações artísticas regionais, nacionais e internacionais. Está aberto para visitação de segunda a sábado, no horário de 9:00 às 16:00 horas, sem intervalo. Possui guias que falam Inglês, Francês, Espanhol, Italiano e Alemão. Na capital amazonense, essa época de ouro não se resumiu apenas no teatro. O Palácio do Governo tem como única concessão ao nacionalismo, a utilização de madeiras típicas da região em seus assoalhos. Abriga aposentos de indescritível esplendor, inclusive salas em estilo chinês, dignas do mais exigente dos mandarins da dinastia Ming. O Palácio Rio Negro foi construído no final do século XIX pelo engenheiro Henri Joseph Moers, para ser a residência particular do comerciante de borracha, o alemão Waldemar Scholtz. Em 1911, o prédio foi hipotecado ao Coronel Luiz da Silva Gomes, que o arrendou para o Governo Estadual. Em 1918, o Estado comprou o prédio para ser residência oficial do governador, passando a denominar-se Palácio Rio Negro. No governo de Álvaro Maia, em 1945, a construção foi acrescida de uma ala lateral, à direita, e de uma torre instalada sobre o lado esquerdo do segundo pavimento. Sua fachada apresenta característica eclética, com o predomínio de elementos clássicos. O Palácio Rio Negro foi tombado pelo Patrimônio Estadual, em 1980, logo após sua última restauração. Atualmente o prédio abriga o Centro Cultural Palácio Rio Negro. Construído nos moldes das mais belas e luxuosas gares francesas, o Mercado Municipal de Manaus foi o segundo a ser montado no Brasil. Construído de frente para o Rio Negro, em estilo art nouveau, foi oficialmente inaugurado em 1882, conforme placa em seu frontão principal. Possui um Pavilhão Central em alvenaria, ladeado por dois pavilhões com estrutura em ferro fundido e forjado, com pórtico de ferro rendilhado e riquíssimos vitrais que até hoje filtram os raios solares equatoriais, lançando reverberações luminosas em diversas cores. Em 1906, o mercado foi arrendado para a empresa inglesa Manaos Markets, responsável pela construção das fachadas principais da Rua dos Barés e pelos dois pavilhões laterais de ferro, destinados à venda de carne e peixes. Em 1934, foi rescindido o contrato, voltando o mercado à Administração Municipal. Sua arquitetura é comparada à do extinto Mercado Les Hales, de Paris. O mercado funciona até hoje como um centro de comercialização de produtos regionais e de outras localidades do País. A Alfândega, por onde entravam os produtos oriundos das mais diversas partes do mundo, comprados com o dinheiro farto da borracha, ainda hoje tem sua sede em um imponente prédio em estilo mourisco, à época tão representativo do requinte e da riqueza quanto as construções em estilo francês.. Localizado na mais tradicional artéria de Manaus (avenida Eduardo Ribeiro), o Palácio da Justiça foi inaugurado em 1900. O prédio foi erguido sobre uma área elevada, e protegido por um espesso muro com balaustradas. Este prédio fez parte do plano de monumentalização da cidade, traçado pelo governador Eduardo Ribeiro que, em 1893, desapropriou o terreno e no ano seguinte assinou o contrato de construção com a firma Moers & Morton. A obra, porém, foi concluída por José Gomes da Rocha, no governo de Ramalho Júnior. Projetado para ser a sede do Palácio da Justiça, esse monumento cumpre até hoje essa função. Seu interior apresenta uma profusão de ornamentos, que misturam elementos de variados estilos. O aspecto barroco do seu ambiente interno contrasta acentuadamente com sua fachada sóbria e austera. O Conjunto Arquitetônico do Porto de Manaus, tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional em 1987, é composto por várias construções: Prédio da Ilha de São Vicente (rua Bernardo Ramos), Escritório Central (Rua Taqueirinha), Museu do Porto (Boulevard Vivaldo Lima), prédio onde funciona o anexo da Assembléia Legislativa (Rua Governador Vitório) e o antigo Prédio do Tesouro Público (Rua Maurício de Souza). Constituem ainda este complexo o Trapiche 15 de Novembro e demais armazéns, as pontes e os cais flutuantes, além do prédio localizado na entrada do Roadway. Com exceção do prédio da Ilha de São Vicente - que já existia em 1852 - e do antigo Prédio do Tesouro e do Trapiche 15 de Novembro - construídos em 1890 - as demais instalações do Porto de Manaus foram construídas na primeira década do século XX pela firma inglesa Manaos Harbour Limited, que administrou os serviços portuários até os anos sessenta. As construções encontram-se em bom estado de conservação e o turista ainda pode visitar o Museu do Porto, que conta, através de seu acervo, a história da navegação no Amazonas e da construção do próprio Porto. Instalado na administração de Araújo Lima, no início da Avenida Eduardo Ribeiro, o Relógio Municipal foi encomendado a uma relojoaria suíça, sendo montado e revisado por Pelosi e Roberti, antigos ourives de Manaus. A construção do seu pedestal foi concluída no final de 1927. Junto com o obelisco erguido em comemoração ao centenário da elevação de Manaus à categoria de cidade, o Relógio Municipal compõe a paisagem arquitetônica do largo da Matriz. Primeira igreja erguida logo após a fundação de Manaus, a igreja da Matriz foi obra dos missionários carmelitas, que em 1695 construíram a Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Esta obra rústica foi reconstruída pelo então presidente da Província Manoel da Gama Lobo DAlmada, que ampliou suas instalações; porém, em 1850, foi complemente destruída por um incêndio. O prédio atual da nova igreja da Matriz foi inaugurado em 1878, e levou vinte anos entre o lançamento da pedra fundamental e a sua inauguração. Até hoje, a igreja mantém uma posição de destaque na paisagem do centro da cidade. Localizada sobre uma pequena elevação, em frente ao porto de Manaus, sua construção é bastante simples, com predominância de linhas retas em estilo neoclássico. Uma das construções mais antigas de Manaus, o prédio do Quartel da Polícia Militar faz parte do conjunto arquitetônico da praça Heliodoro Balbi. No térreo funciona o Museu Tiradentes, que conta a história da corporação. Ali também está instalado o Museu de Numismática, com uma coleção de moedas raras. Os dois museus estão abertos à visitação pública, em horário comercial. A primeira notícia que se tem dessa edificação data de 1867, quando o presidente da Província relatou a compra do prédio em construção, conhecido como Palacete Garcia, para abrigar o Tesouro Provincial. Construído originalmente em um único bloco, o Palacete da Província, como ficou conhecido, foi inaugurado em 1875. Nele funcionou o Liceu, a Biblioteca Pública, a Assembléia Provincial e a Repartição das Obras Públicas. O prédio da Biblioteca Pública foi construído no governo de Constantino Nery, entre 1904 e 1907, porém, desde 1870, a Biblioteca funcionava sem sede própria. Em 1929, o prédio era denominado de Palácio Legislativo, em 1945, a ala direita foi totalmente destruída por um incêndio, que queimou todo o acervo bibliográfico. O prédio só foi recuperado dois anos depois. A edificação de dois andares ocupa uma grande área na rua Barroso, esquina com a avenida Sete de Setembro. A escada que dá acesso ao pavimento superior é de ferro, projetada pela firma escocesa Mac Farlane, que conseguiu transformar esse elemento de função utilitária em um objeto decorativo, com degraus e guarda-corpo vazados em bordaduras. No andar superior, próximo à escada, encontra-se a obra de autoria de Aurélio de Figueiredo intitulada Redenção do Amazonas e, no hall, estão as paisagens amazônicas pintadas por Branco e Silva. O prédio onde hoje funciona o Centro de Artes tinha a finalidade de ser a usina de tratamento de esgotos da cidade. Foi construído em 1910 pela empresa inglesa Manaos Improvements, concessionária dos serviços de saneamento, contratada pelo governo estadual a partir de 1906. Em 1913, o sistema de tratamento de esgotos ainda não havia começado a funcionar quando a população, revoltada contra as altas taxas cobradas, destruiu o escritório da empresa. Com características neo-renascentistas, o prédio possui, ao lado, uma chaminé de 24 metros, construída em tijolo compacto refratário, coroada por um chapeló em ferro moldado. Por isso, ficou conhecido como Chaminé. Tombado como Monumento Histórico do Estado do Amazonas em 1988, a edificação foi reformada em 1993 para abrigar o Centro de Artes Chaminé, um espaço cultural onde acontecem regularmente exposições de arte, espetáculos artísticos e outras manifestações culturais. Em Belém do Pará, sem ter a mesma grandiosidade do Teatro Amazonas, o Teatro da Paz também é uma construção requintada, em que se mesclam os estilos neo-clássico e art-nouveau. A brasileiríssima e tropical Santa Maria de Belém do Grão Pará também não hesitou em travestir sua origem tropical com maneirismo e roupagens parisienses. Sintomaticamente, a principal loja de Belém durante o auge do ciclo-da-borracha chamava-se "Paris na América" (foto na 1ª página). Mantida em perfeito estado de conservação até hoje, a casa comercial é de construção extremamente requintada, merecendo especial atenção a escadaria em estilo art-nouveau que rivaliza com as melhores da França. Mas, como o próprio nome sugere, o ciclo acabou, graças à esperteza de um inglês chamado Henry Wiekham, que conseguiu levar para o seu país 70 mil mudas de seringueira, enganando a alfândega ao rotular as mudas como orquídeas a serem oferecidas à Rainha Vitória. Plantadas no Kew Botanical Gardens de Londres, as mudas se multiplicaram e duas mil delas foram transplantadas na Malásia, em 1876, onde se desenvolveram muito bem. Em 1913 as seringueiras malaias superaram a produção do Brasil: 47 mil toneladas contra 39 mil. O monopólio brasileiro acabou e com ele se foi o dinheiro farto e fácil que rapidamente tinha enriquecido Manaus e Belém. Foram-se os dias de opulência, riqueza e sonhos. Mas a Segunda Guerra Mundial, provocando um boom do consumo da borracha, viria proporcionar uma sobrevida a esse ciclo econômico e novo alento aos produtores de látex. Mas foi um sonho efêmero. Hoje as cidades de Manaus e Belém encontraram novas vocações de desenvolvimento, típicas cidades brasileiras com economia forte e moderna. Mas as mansões, teatros, prédios públicos e monumentos permanecem como testemunho de uma época de esplendor, em que um raro tipo de riqueza colocava os barões da borracha em plena igualdade com a aristocracia européia.
Data 19/01/2008
Fonte amadorouterelo.multiply.com/journal/item/31

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