Biografia |
Sutapa Biswas (Santinekethan, India, 1962). Vive e trabalha em Londres.
Laura Mulvey escreveu em seu ensaio Birdsong: "O tempo sempre foi um tema significativo na obra de Sutapa Biswas. Entretanto, em sua nova instalação entitulada 'Birdsong' [Canto de pássaro] (2004), este tema é ainda mais explícito; e, valendo-se dos atributos formais da imagem em movimento, a artista levanta questões sobre a relação entre temporalidades e a imaginação humana." (Em SUTAPA BISWAS, publicado pelo Institute of International Visual Arts, de Londres, e a The Douglas F.Cooley Memorial Art Gallery, de Portland, Oregon, 2004.)
Nos últimos 20 anos, Sutapa Biswas criou uma obra intensamente evocativa e contestadora, ligada à história e identidade cultural. Seu projeto mais ambicioso até hoje, Birdsong [Canto de pássaro[ (2003-05) compreende dois filmes de 16-mm e um conjunto de obras sobre papel que exploram a memória e os ritos de passagem. Tomando o filme como linguagem, a artista leva o espectador a viagens metafóricas, mapeando as relações humanas e descrevendo a natureza transformadora e transicional das relações íntimas e familiares. Inspirada na pintura Lord Holland and Lord Albermarle Shooting at Goodwood [Lord Holland e Lord Almermarle Caçam em Goodwood] (1759) do artista inglês George Stubbs, Birdsong recria um ambiente que pertence tanto ao mundo contemporâneo quanto ao das gerações anteriores. Aos olhos do filho da artista, que sonha viver ao lado de um cavalo, Birdsong traz o potencial dos mundos imaginários originados da brincadeira e do desejo.
Biswas relembra o modo como o prazer e a beleza intensa do ato de filmagem e de ser capaz de realizar o sonho de seu filho pequeno foram afetados pelo medo mais profundo de uma mãe zelosa pela segurança de seu rebento em contato tão próximo com um cavalo fogoso. No filme, o tempo é desacelerado como forma de despertar a memória e proporcionar um insight sobre relações humanas tais como entre uma mãe-artista e seu filho. A dublagem da película, cujas cópias são projetadas com segundos de diferença entre si, cria padrões cíclicos de referências cruzadas; a narrativa parece espelhar-se em conversa consigo mesma, envolvendo ainda mais o espectador num mudo lúdico e de sonhos.
Na obra Magnesium Bird, a ignição de pássaros esculpidos em fitas de magnésio num pomar invernal de uma mansão traz para os espectadores o olhar iluminista e transformador da artista.
Magnesium Bird é um sonho lúcido que retorna e assombra. O filme remete simbolicamente aos ritos de passagem: a morte do pai de Biswas e a presença constante de seu filho, uma das crianças brincando ao fundo, no filme. A artista deliberadamente escolheu um cenário que evoca memórias do império britânico, do colonialismo e da escravatura, assim como Harewood House coincide cronologicamente com os primórdios da relação colonialista entre a Inglaterra e a Índia, país natal que Biswas deixou ainda na infância. Ao lidar com amor, perdas e trepidação, o filme reúne pássaros mágicos, crianças míticas, fogo e cinzas em uma obra que desafia qualquer leitura geográfica, psicanalítica e cultural.
Em seu conjunto de desenhos de pássaros (2003-04), Biswas inspirou-se nas tradições de exploração e classificação inglesas, em particular na era vitoriana, tempo do revolucinário estudo de Charles Darwin sobre a anatomia aviária.
Os expressivos desenhos a lápis e pinturas também tomam por base as aquarelas do final do século XIX produzidas pelo escritor inglês Edward Lear, cujas quadrinhas jocosas e sátira social desde há muito têm um lugar importante na obra da artista. Adentramos Birdsong por meio desses pássaros vibrantes, embora discretos, absorvendo e de certo modo criando sistemas de classificação à medida que passamos por lugares sombrios e tendendo ao imaginário. A um só tempo, Birdsong mapeia uma viagem de ida e volta, do histórico ao pessoal, dos sistemas científicos aos espaços mais ilógicos de jogo artístico e ao mágico.
Exposições Individuais
2006
Sutapa Biswas, Recent Works by Sutapa Biswas, the Douglas F. Cooley Memorial Art Gallery, Reed College, Portland, Oregon, EUA
Magnesium Dreams, TBA: 2006, Portland Oregon, EUA
2004
Sutapa Biswas, Recent Works, by Sutapa Biswas, Café Gallery Projects, Londres, Inglaterra
Angel Row Gallery, Nottingham; Leeds City Art Gallery, Inglaterra
Sutapa Biswas, Recent works by Sutapa Biswas, and drawings by Joseph Turneand Edward Lear, Harewood House, Yorkshire, Inglaterra
2000
Sutapa Biswas, Untitled (woman in blue, weeping), Art Gallery of Ontario, Toronto, Canada
1994
Murmur, Atlas Studio Space, Londres, Inglaterra
Synapse / To Kill Two Birds With One Stone, Plug In Gallery, Winnipeg, Canada. Co-commissioned, new installation / performance with Locus +, Newcastle Upon Tyne, Inglaterra
Murmur, The Western Front, Vancouver, Canada
1993
Synapse, Gallerie OBORO, Montreal, Canada
1992
Synapse, The Photographer's Gallery, London, and City Art Gallery, Leeds, Inglaterra
Synaptic, Or Gallery, Vancouver, Canada
Exposições Coletivas
2009
Magical Realism, Lalit Kala Academy, Delhi, India
British Subjects: Identity and Self-fashioning 1967-2009, Purchase College, State University of New York, EUA
From TrAIN to Bad Ems, Galerie Nord, Berlin, Alemanha
2008
Gallery Espace, Delhi, India
Sutapa Biswas and Anna Linneman, Nara Roesler Gallery, São Paulo, Brasil
2006
Melborne International Arts Festival 2006, Australia
Aqua Miami, Miami Basel, EUA
Elizabeth Leach Gallery, Portland, Oregon, EUA
Migratory Aesthetics, The University of Leeds, Parkinson Gallery, Leeds, Inglaterra
2005
Magnesium Bird, 3rd Clerkenwell Film and Video Festival, Londres, Inglaterra
Birdsong, Royal Academy of Arts, Londres. Launch of Contemporary Patrons Group, Inglaterra
2002-3
Untitled (The Trials and Tribulations of Mickey Baker) in From Tarzan to Rambo, Tate Modern, Londres, Inglaterra
2001
To Kill Two Birds with One Stone in Art Through the Eye of A Needle, Henie Onstad Kunstsenter, Oslo, Noruega
1999
Frieze, Scarred Surface and Synapse I in Crown Jewels, Kampnagel, Hamburg, Alemanha
1998
Scarred Surface, Frieze and Untitled in The Unmapped Body: 3 Black British Artists, Yale University Art Gallery, New Haven, EUA
1997
Sheffield Museums and Mappin Art Gallery, Sheffield, Inglaterra
1997
6th Havana Biennial, Cuba
Whitechapel Art Gallery, Londres, Inglaterra
Franklin H. Williams Cultural Centre, New York, EUA
University of Ethnography, Oslo, Noruega
Amos Anderson Gallery, Helsinki, Finlandia
1996
Untitled (woman in blue weeping) in The Visible and the Invisible: representing the body in contemporary art and society, 5 sites in the London including St. Pancras Church, Euston Station, Wellcome Trust, University College, London, and Marylebone Road, Londres, Inglaterra
Strange view in Diver's Memories, Manchester Museum, Manchester, Inglaterra
Through Rose Coloured Windows, National Gallery, Botswana
1994
Murmur in Beyond Destination, Ikon Gallery, Birmingham, Inglaterra
Pitt Rivers Museum, Oxford, Inglaterra
1993
Murmur, Western Front, Vancouver, Canada
1992
The European Photography Award, Kunstlerwrkstatt, Berlin, West Alemanha
Synapse in The Body Politic, Herter Art Gallery, University of Massachusetts, EUA
Who do You Take Me For?, Museum of Modern Art, Brisbane, Australia
Sacred Space in Memory and Desire, Vancouver Art Gallery, Vancouver, Canada
1991
Fabled Territories , Vancouver Art Gallery, Canada
To Touch Stone in The Circular Dance, Arnolfini, Bristol, Inglaterra
1990
Disputed Identities, Camerawork, San Francisco, EUA
1989
Housewives with Steak-knives in Images of Woman, Leeds City Art Gallery, Inglaterra
Infestations of the Aorta-Shrine to A Distant Relative in Intimate Distance, The Photographer's Gallery, Londres, Inglaterra
Housewives with Steak-knives in The Essential Black Art, Chisenhale Art Gallery, Londres, Inglaterra
Pied Piper of Hamlyn - Put Your Money Where Your Mouth is in British Artists Abroad, Usher Gallery, Lincoln, Inglaterra
1988
Pied Piper of Hamlyn and Put Your Money Where Your Mouth is in Critical Realism, Camden Arts Centre, Londres, Inglaterra
1986-7
The Only Good Indian., in State of The Art: Ideas and Images in the 1980s, ICA (Institute of Contemporary Art), Londres, Inglaterra
1986
Blind man's Bluff, in Unrecorded Truths, The Elbow Room, Londres, Inglaterra
Five large works shown in The Issue of Painting, Air Gallery, Londres, Inglaterra
1985-6
Housewives with Steak-knives, ICA (Institute of Contemporary Art), Londres, Inglaterra
Prêmios
1999
Artista em Residência künsthaus Bethanien, Berlim, Alemanha
1993
Fapemig, Belo Horizonte, Brasil
1992
Prêmio Brasília de Artes Plásticas, Brasília, Brasil
1991
Prêmio XVI Salão de Arte de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, Brasil
1989
Prêmio IV Salão Nello Nuno, Belo Horizonte, Brasil
Prêmio X Salão de Arte de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Brasil
1986
Prêmio San Francisco Arts Comission Gallery, San Francisco, EUA
TEXTOS CRÍTICOS
A questão do tempo na obra de Sutapa Biswas
Michael Asbury - 2008
As obras de Sutapa Biswas aqui recolhidas, por mais ecléticas que pareçam, possuem características comuns ligadas às temáticas que a artista desenvolve ao longo dos anos. Entre elas, está a questão do tempo, seja o tempo inextricavelmente ligado a tudo que é cinemático, seja o tempo subjetivo, a memória, a saudade produzida pelo deslocamento, pela morte dos queridos ou a experiência materna de perda, o gradual distanciamento entre mãe e filho. É através de tal subjetividade que podemos entender a coerência entre sua pintura ou desenhos, e seus filmes. Outro fio condutor na obra é a referência à história da arte que, afinal, é outra maneira de se abordar a questão do tempo.
A experiência íntima, subjetiva, feminina é, desse modo, sobreposta ao estudo histórico, tradicional território eurocêntrico e masculino. Essa dinâmica referencial empresta ao trabalho um caráter crítico, criando um sentido de instabilidade na sua apreensão. Podemos ver, em seu vídeo The Trials and Tribulations of Mickey Baker (1997), por exemplo, como esse processo opera através de certas inversões. O crítico inglês Guy Brett já havia notado que nesse trabalho há uma aparente contradição entre a mídia do filme, caracterizada pela captura, ou melhor, pela ilusão do movimento, e o quase estático objeto filmado: um homem de meia idade, nu, olhando pela janela.
Podemos identificar outra inversão estabelecida aqui. Os sapatos no chão estão dispostos de maneira que um se apóia levemente sobre o outro e, portanto, indicam claramente que se trata de uma referência ao quadro de Edward Hopper A Woman in the Sun (1961). Os próprios sapatos já fazem parte do processo de inversão, sendo masculinos, e a sobreposição se dá pela ponta, ao invés de pelos saltos. As duas composições estão como que espelhadas, a mulher no quadro de Hopper olha para a direita, enquanto o homem no vídeo de Biswas, para a esquerda. Há, portanto, uma crítica frente à tradicional relação do artista com sua modelo que, sem dúvida, tem origens na formação da artista e no contato com teóricas como Griselda Pollock. Biswas, entretanto, nunca se restringe a um posicionamento crítico singular, não podemos defini-la simplesmente como uma artista feminista. As referências históricas operam de maneiras distintas nos seus diversos trabalhos. Tal é o caso de Birdsong (2004), filme projetado em tela dupla, obra complexa que sobrepõe fontes variadas e oferece múltiplas leituras. É importante notar que, neste caso, a artista insiste em constatar a equivalência de sua preocupação formal, estética, com outros aspectos como a experiência materna e as citações históricas. Em entrevista concedida ao autor, Biswas afirma ter dedicado "um tempo considerável à procura do tipo de aparência estética" desejado para esse filme. Na sua descrição das origens do trabalho, vemos como as referências históricas, conceituais assim como estéticas, se entrelaçam: Para começar, o ponto de partida desta peça foi uma conversa entre mim e meu filho, que aos dezoito meses de idade pronunciou sua primeira frase, na qual manifestava seu desejo de ter um cavalo morando conosco na sala de estar. Essa idéia me levou de volta a um quadro do pintor inglês de paisagens George Stubbs, intitulada Lord Holland and Lord Albermate Shooting at Goodwood [Lorde Holland e lorde Albermate atirando em Goodwood], de 1789, na qual vemos um empregado negro cuidando dos cavalos enquanto seus patrões se divertem. As palavras de meu filho me surpreenderam por várias razões, não apenas porque para uma criança de sua idade não há distinções entre a realidade e o imaginário, mas também porque, para ele, essa idéia não era improvável tampouco impossível.
Assim, quando fiz Birdsong, procurei criar um tipo de interior que ecoasse um clima de passado colonial com a palheta que Stubbs usava em sua pintura. Fui muito específica, a ponto de procurar um mobiliário de época autêntico que conviesse ao contexto dessa casa em estilo colonial. Para ajudar-me na escolha de uma palheta, recorri aos cartões de amostra de cores classificadas pelo English Heritage [Patrimônio Histórico inglês], cujas gamas tonais remetem às cores utilizadas em interiores e edifícios históricos. Foi também fundamental para mim o fato de, perdendo-me por entre tantas lojas de adereços, eu ter podido encontrar os próprios objetos utilizados pelo English Heritage nas fotografias publicitárias de suas amostras de cores, e alguns desses objetos estão presentes nos planos da casa, na obra Birdsong. A pintura da sala no "verde-ervilha" do catálogo de cores do Heritage fazia referência também a um poema de Edward Lear, que escreveu um conto sobre o improvável casamento entre "a coruja e o gatinho" que singrou os mares a bordo de um belo barco verde-ervilha. Então, no contexto do filme em minha instalação, a referência à diáspora e à história está implícita. O que o próprio filme em sua forma editada procura atingir é bem mais do que isso. Birdsong é "emoldurado" pela figura mitológica do cavalo-alado, feito em papel dobrado, ou origami, que gira em torno do barbante que o suspende. Segundo Laura Mulvey, a figura mítica de pégaso opera neste filme em diversas maneiras.
Num sentido formal, seu movimento evoca o tempo do filme, como se fosse um metrônomo. Esse ritmo tem, por sua vez, uma função simbólica que marca o incremento no grau de separação entre mãe e filho. O pégaso é, afinal, um meio de transporte, oferece a possibilidade de evasão, que no filme nos leva do real ao imaginário, ao mesmo tempo em que incorpora o sentido de ansiedade materna de perda. A questão do vôo é, portanto, crucial, não só neste filme específico, mas também através da obra como um todo. Explica a temática recorrente dos pássaros no trabalho da artista, seja nos títulos, como no caso de Birdsong, ou nos seus desenhos, pinturas e esculturas. Segundo a artista, há muitas razões para isso, mas as mais determinantes são relativas a memórias de sua infância e do seu deslocamento da Índia para o Reino Unido, aos quatro anos de idade. São associados, dessa maneira, à questão migratória, à temporalidade das estações do ano, assim como à memória das idas e vindas do pai que viajava muito em função de seu trabalho em agências de desenvolvimento. Notamos, então, que as citações que seus filmes fazem à história da pintura operam também em sentido inverso. A pintura e os desenhos de Biswas buscam igualmente um diálogo com o cinema, onde a questão do tempo se dobra de forma semelhante entre o mecânico e o subjetivo: Eu comecei a desenhar pássaros para demarcar o tempo. Um pássaro por dia, como os spot-paintings de Damien Hirst, uma pintura por dia. Os pássaros que eu pintava não estão tranqüilos. Se você olhar para eles por certo tempo, eles deixam de ser belos para se mostrarem assustados ou mesmo ameaçadores, como são os pássaros reais. A referência a Hitchcock é imediata.
Brett, G. "Spaces Inside Time", in: Campbel, S. (Org.), Sutapa Biswas, catálogo de exposição, Institute of International Visual Arts (inIVA) & Douglas F. Cooley Memorial Art Gallery, London & Portland, Oregon, 2004, p. 42. Esta relação é também relatada na entrevista que a artista concedeu a Stephanie Snyder. Ibid., p. 8. Sutapa Biswas entrevistada por Michael Asbury, in: Asbury, Bueno, Ferreira & Machado (Orgs.), Revista Arte & Ensaios, n. 14, Edição Especial "Transnational Correspondence", PPGAV-UFRJ, Rio de Janeiro, 2007, p. 21. Ibid. Mulvey, L. "Birdsong", in: Sutapa Biswas, op. cit., pp. 52-53. Sutapa Biswas entrevistada por Michael Asbury, op. cit., p. 13.
fonte : Nara Roesler em 13.04.2010
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