Sergio Sister

Ver todas as obras de Sergio Sister

Artista Sergio Sister
Biografia Sister, Sérgio (1948)



Biografia

Sérgio Sister (São Paulo SP 1948). Pintor, desenhista. Cursa pintura na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, em São Paulo, entre 1963 e 1967, e desenho, com Ernestina Karman (1915 - 2004), de 1965 a 1967. Entre 1968 e 1975, realiza graduação em ciências sociais e pós-graduação em ciência política na Universidade de São Paulo - USP. Nesse período, é preso por motivos políticos. Permanece 19 meses, entre 1970 e 1971, no Presídio Tiradentes, em São Paulo, e freqüenta o ateliê livre dessa instituição. Torna-se membro do conselho consultivo da revista Guia das Artes. Na década de 1980, realiza telas abstratas e quadros de pequenas dimensões, e, no fim dos anos 1990, executa em madeira a série Ripas. Em 2002, é publicado o livro Sérgio Sister, com textos de Alberto Tassinari, Lorenzo Mammì, Rodrigo Naves e do próprio artista, pela Editora Casa da Imagem, de Curitiba. Atua ainda como jornalista e ilustrador, entre outros, do livro O Senhor do Bom Nome, de Ilan Brenman, publicado em 2004.


Atualizado em 16/11/2006


fonte : Itaú Cultural em 22/05/2007

----------------------------------------------------------------------------------------------------------


Sérgio Sister (São Paulo, SP, 1948). Vive e trabalha em São Paulo.

Sérgio Sister, no início da década de 1980, realiza telas abstratas, nas quais alia formas geométricas a manchas de cor. Em Cave 1 (1986), os planos coloridos se destacam do fundo negro, revelando uma luminosidade que parece emanar das áreas de cor. O artista explora a gestualidade da pincelada em texturas rugosas, contrapostas a outras de fatura mais impessoal. Nas telas de pequenas dimensões, realizadas entre 1988 e 1992, ele trabalha com faixas de cor de tonalidades aproximadas, empregando pinceladas curtas e tintas metálicas.
Sobre suas obras, Sister afirma em texto de 1998: "Há alguns anos que encaro com dificuldade a tarefa de conectar dois corpos diferentes de cor, sem corromper a potência de cada um deles em um mero arranjo de faixas. Tentei contornar o problema em 1996 procurando aproximar cores distintas por meio de pigmentos tonais muito semelhantes".1 O artista emprega freqüentemente uma cor dominante, em tonalidades opacas ou, às vezes, leitosas. Por meio das pinceladas, produz uma vibração cromática que retém a luminosidade. Como nota o crítico Alberto Tassinari, entre os sulcos e as vibrações que estruturam os quadros, a luz parece encontrar seu ambiente. A luz fica ali, mais do que ilumina e passa a ser o elemento central em sua obra.

No fim da década de 1990, realiza as Ripas, nas quais as cores são pintadas sobre estruturas longilíneas em madeira. Nessas obras Sister busca uma integração com o espaço circundante. Posteriormente, procura essa integração do espaço e do ar na relação entre as cores. Já em telas realizadas a partir de 2000, as tintas têm uma aparência mais rarefeita, como ocorre em Coluna Vermelha (2000), Menos Horizontal ou Verde Luz (ambas de 2003). Atualmente o artista continua num diálogo com a escultura. Sua mais recente série de trabalhos retoma com astúcia um antigo mote da pintura, o jogo entre superfície e tridimensionalidade, com suas diversas soluções.

Notas

1 Citado em SISTER, Sérgio. Sérgio Sister: Programa de Exposições 1998 - artista convidado. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1998, p. não numeradas.



Exposições individuais

2008
Pinturas, Galeria Nara Roesler, São Paulo, Brasil

2007
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, Brasil
Pinturas Face a Face, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil

2006
Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, Brasil
Pinturas Face a Face, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil

2005
Silvia Cintra Galeria de Arte, Rio de Janeiro, Brasil

2004
Galeria Millan Antonio, São Paulo, Brasil

2003
Galeria 10,20x3,60, São Paulo, Brasil
Galeria Casa da Imagem, Curitiba, Paraná, Brasil

2000
Galeria São Paulo, São Paulo, Brasil
Paço Imperial, Rio de Janeiro, Brasil
Museu de Arte de Ribeirão Preto, MARP, Ribeirão Preto, Brasil

1996
Galeria Casa da Imagem, Curitiba, Brasil
Marilia Razuk Galeria de Arte , São Paulo, Brasil

1995
Galeria Millan Antonio, São Paulo, Brasil

1993
Galeria André Millan, São Paulo, Brasil
Galeria Casa da Imagem, Curitiba, Brasil

1992
Capela do Morumbi, São Paulo, Brasil

1990
Galeria Millan Antonio, São Paulo, Brasil

1989
Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil
Sala Macunaíma, FUNARTE, Rio de Janeiro, Brasil

1988
Galeria Millan Antonio, São Paulo, Brasil

1986
Galeria Paulo Figueredo, São Paulo, Brasil

1983
Paulo Figueiredo Galeria de Arte, São Paulo, Brasil


Exposições Coletivas

2009
Obra Menor, Ateliê 397, São Paulo, Brasil
Superfície Ativada, Galeria Silvia Cintra, Rio de Janeiro, Brasil

2006
Ao mesmo tempo o nosso tempo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Brasil
Arquivo Geral, Casa Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, Brasil

2003
Fábio Miguez, Rodrigo de Castro e Sérgio Sister, Galeria Celma Albuquerque, Belo Horizonte, Brasil

2002
25a Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo, Brasil

2001
A Cor na Arte Brasileira - Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Brasil

2000
Galeria Nestlé, com Rodrigo Andrade, São Paulo, Brasil

1999
Panorama da Arte Brasileira , Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Brasil

1998
Programa de Exposições, Centro Cultural SP, artista convidado, São Paulo, Brasil

1995
Morandi no Brasil, Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil

1993
Desenhos, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, São Paulo, Brasil

1990
Panorama da Arte Atual Brasileira/90 - Papel, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil

1989
Arte Contemporânea São Paulo/Perspectivas Recentes, Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil
Artistas Contemporâneos, FUNARTE, Rio de Janeiro, Brasil

1967
Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo, Brasil


Coleções Públicas

Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil
Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil
Pinacoteca do Estado , São Paulo, Brasil
Centro Cultural São Paulo, Brasil




TEXTOS CRÍTICOS

Experiências da superfície
Paulo Venancio Filho - 2008

A superfície pictórica perturba discreta e sutilmente a monocromia, a homogeneidade da fatura e a subjacente precisão geométrica das formas. Valores tão difíceis de revogar quanto de transformar. O laboratório dessa pintura se volta então para uma experiência da superfície, agora intensificada e tomando um novo curso: tornar os elementos que afirma mais discretos ainda. Manobra negativa; a pintura busca chamar a atenção justamente por não procurar chamar a atenção. Nela combinam, com sutileza, esses dois momentos: discrição e atenção. Diante e desafiando todos os malabarismos imagéticos atuais propõe um ainda raro desfrute do prazer visual que é aqui tanto prosaico quanto refinado - os dois ao mesmo tempo. De tão desgastadas e desinteressantes; unidirecionais na sua busca constante do assédio a um olhar previamente anestesiado, entediado, passivo, as superfícies hoje procuram sobretudo capturar, mais do que transmitir e comunicar alguma coisa: as superfícies se tornaram superficiais.

Nesse contexto de saturação esvaziada da visualidade a pintura de Sérgio Sister continua apostando naqueles valores cuja autoridade histórica parecem não se impor mais por si. Num curioso paralelismo, revelador de tal tendência, se pode constatar entre as pinturas de Sister e a dos figurativos atuais que, se apropriando da imagem fotográfica, procuram justamente embaçar a perfeita nitidez que a fotografia oferece. De ambas, pode-se dizer que buscam o mesmo registro intermédio, uma flutuação indefinida ao mesmo tempo descrente e um tanto assediada por valores nítidos e afirmativos.

De uma tênue sensualidade intelectual - essas qualidades não se opõem uma a outra, mas dão uma medida refinada e equilibrada - as telas afirmam, creio, uma intenção de se dirigir ao espaço como o ambiente da vida; a vida que contém o olhar de todo dia. Por uma lado, são telas já não tão íntimas como foram - essa qualidade quase única da melhor pintura brasileira -, embora se expandam, sem conflito, em dimensões compatíveis com a atualidade. Alcançaram uma outra escala sem descartar daquele núcleo íntimo que permanece como uma força coesiva única. Esse é sem dúvida um desafio ainda presente e que se apresenta nessas telas; o salto para um outro patamar de sociabilidade, onde a intimidade se defronta com espaços inesperados e não familiares, e é isso, creio, que a pintura de Sister busca, dar a esse espaço da proximidade uma nova abertura possível, mais ampla e franca.

Passa também por aí um processo de introjeção de certas marcas visuais contemporâneas que estimulam e desafiam a crença numa subjetividade solitária e culturalmente isolada: a inevitável permeabilidade moderna. Como não ver nos Pontaletes algo do Objeto Ativo de Willys de Castro e dos Sarrafos de Mira Schendel, procurando ir além, desapegando-se da dimensionalidade física da intimidade, fazendo frente, aqui me ocorre, às estruturas de lâmpadas fluorescentes de Dan Flavin, por exemplo.

Inescapável, não se pode deixar de mencionar, é então a relação temporal com a pintura norte-americana dita minimal, esta que procurou enfatizar os aspectos literais em detrimento dos metafóricos, expressivos e simbólicos, praticando uma verdadeira ascese visual e, como é próprio do espírito ascético, reduzindo ao máximo o índice sensualista e ampliando a vivência presencial e fenomenológica, o hic et nunc. Processo que aqui encontraria dificuldades em manter sua rígida ortodoxia, e o caso de Sister é um deles, do mesmo modo que, na mesma linha, certos momentos de Eduardo Sued e Carlos Zilio, com os quais, aliás, mantém muitas aproximações, pois eles também sofreram do mesmo influxo e resistência. Resistências que atuaram e distinguiram a pintura de cada um deles, o que no caso de Sister foi a insistência numa sensibilização da superfície.

O uso do alumínio é uma "descoberta". O salto audacioso teria que se dar justamente nesta superfície antitética à sensibilização, vulgar, metal de 2a categoria. Anódina, impossível de ser saturada e também de iludir a profundidade, naturalmente embaçada e também espelhada, a tinta metálica cria uma atmosfera visual única, de tal modo que, salvo engano, há algo na superfície das telas que se compara ao efeito dos novos materiais que a arquitetura atual faz uso. De imediato, recorda, talvez o mais emblemático deles; a cobertura de titânio do Guggenheim de Bilbao de Frank Gehry, e ainda vários outros projetos recentes onde a combinação de novos materiais e novas possibilidades formais voltaram a atrair a atenção para as superfícies arquitetônicas, cada vez mais ativas e visualmente determinantes na totalidade do projeto, quando não são elas essa totalidade mesma.

A materialidade esquiva da tinta alumínio cria uma instabilidade entre o quadro como pintura e como objeto-pintura, da mesma forma como a superfície arquitetônica oscila entre uma autonomia própria e a forma que tudo une. De tal tensão, me parece, derivam os Pontaletes, cujos antecedentes, como já disse, podem ser os históricos Objetos Ativos de Willys de Castro como também os Sarrafos de Mira Schendel. Mas o diálogo bi/tridimensional-pintura/objeto não se articula por meio de oposições negativo/positivo-figura/fundo, mas através da modulação que, por princípio, significaria dissolução das oposições. Uma serena concentração é a contrapartida que as telas de Sister exigem, porque é delas que emana, como uma luz que ilumina com a luminosidade e brilho amortecidos, e a cor se desaquece com a presença do alumínio, o que dá uma curiosa sensação visual de quente/frio, o que traduzindo em outros termos, significa a oscilação entre intimidade (quente) e sociabilidade (frio).

Os Pontaletes respondem às pinturas e estas àqueles. Mas eles, Pontaletes, indicam uma experiência que não é mais a da superfície, mas do seu quase abandono. Um diálogo que passa da superfície ao perímetro externo de tal modo que quase podemos supor que cada pontalete tem equivalência nas formas delimitadas na superfície pictórica. Ainda acompanham a determinação da tela mas na sua ausência. Ainda. Para onde vão?



Sérgio Sister
Alberto Tassinari - 2007

Sérgio Sister trabalha com afinidades. A dificuldade, que ele mesmo reconhece, de pôr lado a lado cores afastadas do espectro não deixa de ser intrigante. Se acontece, embora não seja muito comum, de empregar contrastes de cor, ele então os atenuará por uma aproximação de valores. Em geral, porém, Sérgio Sister usa cores próximas e não varia muito a escala de valores. Além disso, prefere as cores matizadas às cores puras, pois o matiz já reúne e aproxima o diverso. Mesmo seus vermelhos, amarelos e azuis não são puros, mas um tanto escurecidos ou leitosos. São também, de certo modo, matizes, pois puxam para o preto ou o para o branco.

Mas a questão permanece: como pode um pintor ver no contraste uma dificuldade intransponível? Todo pintor sabe que contrastes fáceis estão sempre à mão. Se o artista não os emprega é por um motivo que não é técnico, mas poético. Sua obra explora proximidades, vizinhanças. Isto vale para a cor, mas também para outros elementos de sua pintura. Seus quadros são habitados por uma grande variedade de tipos de pinceladas. Cuida, entretanto, para que as diferenças de direção, tônus e escala dessas não criem áreas dissociadas. Mas não é a homogeneidade aquilo que busca. Prefere mesmo contrastar do que homogeneizar, pois procura, ao contrário, o heterogêneo no semelhante. Tudo seria igual a tudo, seríamos todos uma só substância, não fosse a questão básica de que somos todos indivíduos, portanto todos semelhantes, mas, nessa semelhança, diferentes, por menor que seja a diferença. E é na menor diferença, parecem dizer suas obras, que está a grande diferença.

A singularidade de uma obra de Sérgio Sister não vem apenas das cores ou da fatura sutil que afeiçoa as diferenças, mas da luminosidade. E essa também não é homogênea. Suas obras vivem de acordo com o ambiente luminoso em que se encontram. A luz que refletem não apenas possibilita ver os matizes e os claros e escuros além da superfície do quadro, mas também o quanto se movimentam e tremulam aquém da tela. Não apenas mudam um ambiente, mas mantêm uma comunicação constante com seu entorno luminoso. Também as luzes, em Sérgio Sister, a configurada internamente à obra e a do ambiente, tecem conjuntamente pequenas diferenças.

Trabalhos que vivem da luz não são fáceis de fotografar. Realizada a fotografia, não serão fáceis de ambientar na página impressa. Há neste livro, assim, dois autores que em geral não recebem tanto destaque em outros. Sem as fotografias de Eduardo Ortega não teria sido possível realizá-lo. Também não haveria um livro sem o desenho e a experiência gráfica de Carlito Carvalhosa. Os dois, somados com os quatro autores dos textos – Rodrigo Naves, Lorenzo Mammì, o próprio Sérgio Sister e eu – fizeram do livro um trabalho a doze mãos. Com exceção desta breve apresentação, os demais textos não são inéditos. Estão editados no final do livro de maneira assemelhada às suas primeiras aparições em catálogos de exposição do artista.

Mais, ou menos, do que um livro, o que se tentou realizar foi uma espécie de álbum. As principais exposições de Sérgio Sister aqui estão recordadas por algumas obras e pelos textos que as acompanharam. Excetuada a separação das pinturas e dos desenhos, a ordem das ilustrações é basicamente cronológica. Mas não conta toda a história de uma obra que começou nos anos 60. O recorte feito, e que mostra sua trajetória apenas nos últimos quinze anos, encontra duas justificativas. Até meados da década de 80, Sérgio Sister não trabalhou de maneira regular. A política e o jornalismo absorviam grande parte de sua atenção. Com a democratização do país já quase completada, o artista retornou à arte com novas energias. Foi em parte pelo contato com artistas e críticos mais jovens que sua obra ganhou plenitude. Assemelhou-se assim, por momentos, mais ao trabalho desses artistas do que aos seus mais antigos. Mas com diferenças que ele nunca abandonou. Grandes diferenças. Sérgio Sister já era um artista maduro quando sua obra irrompeu, com o perdão da redundância, madura em meio a um grupo de artistas jovens que ainda buscavam seus caminhos. Basta, para constatá-lo, olhar a série de pequenas pinturas de 33 x 33 cm, uma das mais belas da pintura brasileira, que realizou desde o final dos anos 80. Ter-se deixado ambientar por um grupo mais novo do meio de arte é uma lição de vida. Ter mantido a mesma poética à época conquistada, uma lição de arte.



Cintilação discreta
Tatiana Blass - 2003

Um lilás com peso enfrentou o cinza nublado. Era fim de tarde e sua atmosfera singular fez tudo ser uma derivação de seu matiz em tons infindáveis. Este fenômeno exclusivo de vencer a tempestade por vir e declarar o contágio da luz do sol, advertia o sentido mutante que esgotava qualquer certeza que não a do instante. A capacidade de transformação que a luminosidade avançava sobre a visibilidade e a constituição das cores, indicava em alerta a estranha conexão de tudo, mesmo apostando na autonomia e singularidade estridente de cada coisa habitante do mundo.
É dessa aptidão em capturar o sentido removível da luz aos olhos, em um tempo perceptivo que adiciona mais caráter à cor, que as seis pinturas de Sérgio Sister - feitas de tinta óleo e pigmentos metálicos como mica e alumínio - expostas na 25a Bienal de São Paulo , parecem pedir uma contemplação mais vagaroso, um passo mais lento no tumulto desta mega exposição. Quase todas as pinturas expostas têm faixas intercaladas de duas ou três cores com variações tonais, o que estabelece uma ressonância entre uma área e outra, sendo que algumas dessas variações são dadas pela simples diferença no trabalho do pincel.

Como o modo de construção destas pinturas vem da vontade de uma máxima apreensão da luz, sua variação torna-se inequívoca em seus complexos relacionamentos. A presença da cor se modifica conforme as extensões do olhar, que reverbera pelas infindas arbitrariedades da luz que perpassa o ar. Neste atrito perceptivo que o observador se depara, esta impermanência parece atracar uma constante conversa, como se a cada deslocamento de ponto de vista e a cada segundo observado algo mais fosse dito em atropelo a qualquer cansaço.

A conclusão inexata de assimilação do todo sofistica a apreensão em lacuna, através do olhar que não consegue se deter nem fugir. Com certa sonolência vibrante, o ânimo da pintura não é frustrante nem exaltado. Parece estar sempre querendo encontrar a medida certa para assegurar a presença das partes no todo sem esquecer a mesma conjuntura de convivência, saboreando um estado comum das satisfações da normalidade.
Intensificando os pudores da diferenciação pelo semelhante, Sister constrói a partir de cores repousantes a aptidão ao agito. Os corpos de tinta com quase mesmos valores tonais repercutem o delicado impulso de contentar-se perante a paridade sem constrangimento, e saber-se perto do outro quase igual e, por quase, completamente diverso. Por este modo de diferenciação que não é dado pela contradição, mas por contrastes amortecidos, cria sintonias em desarranjo, precavendo as muitas nuances entre o sim e o não, equacionando as diferenças por uma comodidade não decepcionada, cedendo sem deixar-se. Com o ímpeto de motivar a instabilidade sem ser pelo contrapeso.

O constante exercício da capacidade de distinção faz com que os valores tonais próximos admitam a ação notória da luz na cor, concebendo uma identificação relacional que distingue as propriedades de cada momento da pintura. Estas sutis variações de cor e de luminosidade são dadas pela diferença de quantidade de pigmento metálico e pelo uso de cera em algumas áreas, que as deixa mais opacas e com a luz mais acondicionada. No texto sobre suas pinturas expostas em 1988, Lorenzo Mammì, diz que "para que o movimento das pinceladas adquira a máxima evidência possível, Sister utiliza um pigmento à base de pó de alumínio, misturado com óleos, ceras ou terras" . Parece que cada vez mais o uso do pigmento metálico não só faz evidenciar mais a pincelada, como também a pincelada superestima a qualidade cintilante do pigmento.

O caráter descontínuo do trabalho do pincel em cada área de cor - pulsante, espatulado, direcionado - colabora para controlar, refreando ou ativando, a velocidade com que a cor chega aos nossos olhos. Um proceder complexo de apreensão do todo, que estimula tempos perceptivos diversos conforme a direção da matéria composta por seu valor tonal. Dessa maneira, Sister valoriza a hora de cada cor sem perder o compasso uníssono, fazendo com que nada esteja desalojado.

Pela captura da luz sem ofuscamento, Sister sanciona a decisão apaziguadora a cada sílaba pronunciada. Precavendo-se do lisonjeio de cada acontecimento particular, atribui às diferentes instâncias construídas na tela um convívio sem desatinos. As estridências são entorpecidas e as disparidades ditas em tom de conversação. E toda articulação é argumentativa.

Refletindo por um outro viés, Rodrigo Naves escreve em um texto de 1995 que "essas telas não vieram ao mundo para torná-lo mais alegre ou variado. E nem mesmo o exercício continuado dessas sutilezas tonais promete um renovado poder de discriminação. Sua arte ensina que tudo está em jogo. O que diferencia envolve tudo numa espessura turva. E o que hoje traz as coisas à tona pode amanhã ser o peso que as levará ao fundo."
Nestas últimas pinturas, me parece que esta espessura turva foi ganhando cada vez mais nitidez. Mas é pertinente questionar: este modo de diferenciação sem contrastes agudos é mesmo uma tentativa de um relacionamento apaziguador ou esta competência equivalente de todos atributos da tela não é um apelo à competitividade? Acredito que os dois movimentos não são excludentes, mas me parece mais contundente supor que as relações sejam suscitadas com a vontade de parceria mais do que de rivalidade.

Estas pinturas têm um duplo movimento de aproximação e distanciamento, dado o aspecto dúbio que o cintilante estabelece: há alguma frieza, alguma reserva que as deixam protegidas, mas que logo é desfeita pelo aspecto latejante e vibrante desta mesma luz refletida. Segundo Alberto Tassinari "as pinturas de Sérgio Sister parecem guardar a luz. (...) não é tanto da cor que nos falam, mas, se é possível dizer assim, de um repouso da luz.(...) a luz parece encontrar na cor mais o seu ambiente do que sua tradução. A luz ali fica mais do que ilumina". Um dos maiores merecimentos da pintura de Sérgio Sister está nesta experiência do entrosamento pela cor cintilante. A cintilação que irrealiza a permanência, pondo em desatino as dúvidas e variações da luz. De cores esmorecidas, estas pinturas devem sua luminosidade ao metal contido no pigmento, como habitantes da matéria cintilante. São cores quase nunca vistas, difíceis de agarrar, mas que não terminam de chegar aos olhos.

Suporia o inexato se da cor já não restasse muita convicção. No entanto, estas pinturas parecem estar pondo a cor um pouco mais à frente através de sua construção precisa, apostando também na potencialidade própria da cor como agente luminoso. Mesmo assim, a cor ainda parece se afirmar a partir de seus pormenores, persuadindo pela desconfiança. Apesar de movida por um sentido mais vaporoso e etéreo, por esta cor pouco afirmativa, a luminosidade trás um entusiasmo denso por recogitar o sentido da luz como presença física, uma luz que é da matéria, do próprio pigmento, extravasando a concepção da luminosidade submersa na vibração da cor. Uma luminosidade que interage na superfície e que não tem muito fundo: nem vem, nem vai, nunca decepciona o plano.

Diferentemente das pinturas de Sean Scully, também expostas na 25a Bienal de São Paulo, a luminosidade parece vir de dentro, principalmente pelas frestas entre uma cor e outra e pelas camadas anteriores que também comparecerem na superfície por sua pintura wet on wet, molhado sobre molhado. Apesar da imperativa fisicalidade de sua pintura, a luz vem da cor, está acoplada ao embate estabelecido. Em uma entrevista a Herzog, Scully afirmou que tinha o " desejo de fazer uma luz que tenha permanência". Já em Sister, a luz tem uma fisicalidade própria, materializa-se no processo perceptivo, necessita das condições e demora do mundo para sua exaltação. Apesar de sua insistente captura da luz, concebe uma luminosidade sempre mutante, já que trabalha com a própria matéria luminosa à revelia das variações exteriores.

Pode-se arriscar dizer que o aumento de escala nestas pinturas mais recentes, contribuiu para o uso de mais cores, o que não reverte sua discrição. Com uma introspecção sem vergonha e um silêncio retorcido, trazem a sensatez do deboche. Sua vibração é dada por certo esculacho, alguma rudeza, das pinceladas que evidencia o gesto nunca recluso.

A construção de entrosamentos bem articulados, não se move por um refinamento excessivo, por uma frescura enxerida ou por um apego à concordância, mas pela simples confiança na desventura do contraste agudo.

Exposição de pinturas de Sérgio Sister. São Paulo: 25ª Bienal Internacional de São Paulo, 23/03 a 02/06/02.

Tatiana Blass é formada em Artes Plásticas no Instituto de Artes da UNESP de São Paulo.
Publicado originalmente na revista Novos Estudos - Cebrap




Outros Resíduos
Sérgio Sister - 2000

Pesquisadores das universidades de Pisa e Palermo encontraram recentemente, no subsolo da catedral de Florença, restos ósseos que poderiam ser de Giotto di Bondone, o grande pintor italiano que nos anos de 1300 deu a largada para a arte renascentista, inaugurando o emprego moderno da perspectiva. No material examinado havia resíduos de arsênico, chumbo, alumínio, manganês, zinco e cobre em quantidades acima do normal para alguém pouco acostumado a manipular pigmentos.

Essa descoberta guarda uma curiosa ironia. Porque talvez ninguém mais do que Giotto procurou ocultar a dimensão material da pintura, tornando-a tão-somente a mais bela revelação da espiritualidade cristã, das histórias de Deus e de sua gente.
No entanto, esse mesmo achado ganha uma curiosa atualidade nos nossos dias. Esses materiais coloridos que terminam por ganhar os próprios ossos do pintor parecem constituir uma metáfora da pintura moderna e contemporânea. Para ela, a cor sempre esteve associada a um fazer que intensificava sua presença material, sem ocultá-la pelos recursos do naturalismo renascentista.

As pinturas desta minha exposição não são diferentes. Para descrevê-las, não teremos muitas outras palavras senão as de que são planas, feitas de óleo, com pigmentos de alumínio e mica, e marcadas pelo trabalho de pincelar. Um olhar mais perspicaz vai notar que várias telas seguem um esquema parecido: aproximadamente 1/4 do espaço pintado de alumínio em estado mais puro, 3/4 com alguma cor metalizada, luminosa, de valor tonal próximo ao do quarto anterior. Uma análise ortomolecular deve propiciar a óbvia constatação de que sou da mesma matéria de Giotto.
Mas isso, que já é muito, também não parece, de certa forma, muito pouco? Mesmo que eu acredite estar produzindo belas cores, relações diferentes, e luminosidade atraente, não há aí um grande vazio da arte, sem significados, sem ligação com a vida, sem uma ética? Depois, já não se sustenta por si só o nobre argumento da virada dos anos de 1940, de que essa arte, aparentemente sem compromissos com fundos e mundos, em busca de autonomia, tem um compromisso básico com a liberdade de criar.

O que posso dizer é que procuro manter no interior das pinturas desta exposição − como venho fazendo desde os meus quadros pretos do final da década de 1980 − elementos colorísticos e formais que possam se entender com a luz, a mãe da sensação visual, e, ao mesmo tempo, que se desfaçam em dúvidas sobre sua capacidade de afirmar. As cores, na maioria das vezes, carregam pigmentações suplementares ou ceras que as remetem a outras possibilidades, seja por luminosidades diferentes, que nos distraem da sua pretensa inteireza; seja por opacidades que as silenciam; seja ainda por embranquecimentos que as enfraquecem. Trata-se de ir, de dizer, de fazer, mas também de encorajar a hesitação e a dúvida.

Ainda nestas pinturas, continuo encarando a dificuldade de juntar duas ou mais cores sem corromper a potência de cada uma delas. Para mim, duas coisas ou cores diferentes podem e devem continuar diferentes, explorando toda a riqueza da sua condição peculiar. Mas isso não significa que elas não possam e não devam associar-se àquilo que é diferente. Nestes últimos trabalhos, a aproximação das diferenças foi possibilitada pelo uso intensivo do alumínio e da mica, com certa unidade das pinceladas.

Esse mesmo trabalho de tornar solidários os corpos diferentes de cor ganha uma outra dimensão nas ripas. São grandes tiras verticais finas e longilíneas, colocadas lado a lado, em grupos de duas ou três, cada uma de uma cor, separadas entre si por alguns centímetros de distância. Elas são fixadas na parede apenas pela sua extremidade superior. Aqui, o que torna possível essa solidariedade não é a valoração tonal, a pigmentação ou o pincelar, como nas telas. Nas ripas, o ar e o espaço é que atuam na relação entre as cores. Para melhorar o fluxo entre o espaço concreto da parede e as ripas, uso quase sempre alguma cor que tenha alguma familiaridade com a sombra projetada das ripas e, também, com a própria parede branca. Assim, o olho pode correr mais fluido entre os volumes pintados e o resto, extraindo daí um jogo de colaboração entre as cores, e destas com o espaço comum.

Nos desenhos, ocorre um pouco daquilo que aparece nas pinturas em tela. Das pinturas, há aqui uma formatação de extrema horizontalidade e de extrema verticalidade, como se as duas única posições possíveis fossem as de repouso e de prontidão para a ação. Mas é apenas uma aparência. Por serem feitos em fino papel de fibra de arroz, esses desenhos permitem que as mesmas considerações de formato e as mesmas aproximações com a luz e com o espaço se dêem de forma mais flexível e errática. O papel é mole, amassa, rompe-se com facilidade, mas também reage, tolera ou rejeita toda essa matéria e esse jogo rápido de experimentações. Algo que lembra tanto o que ocorre com nós mesmos que, espero, deve nos dizer respeito.

* Texto originalmente publicado em catálogo da exposição de 2000 na Galeria São Paulo



Unidos na diferença
Sérgio Sister - 1998

Por uma bela perversão da natureza, o espaço e o tempo acabam reunindo cacos aparentemente desconexos. Não importa se os estilhaços tenham origem na singeleza natural dos anos ou na destruição dos homens. Em algum momento, as tensões e desconexões que se acumulam ou se transfiguram apresentam-se como uma unidade íntegra e visível.
Isso me chega através da pintura.

Há alguns anos que encaro com dificuldade a tarefa de conectar dois corpos diferentes de cor, sem corromper a potência de cada um deles em um mero arranjo de faixas. Tentei contornar o problema em 1996 procurando aproximar cores distintas por meio de pigmentos claros e vibrantes e através de valores tonais muito semelhantes. Ou seja: as cores diferentes conviveram bem entre si quando pacificadas em tons e valores iguais.

Com o tempo, porém, fui mudando essas relações na tentativa de dar-lhes um tratamento mais amplo, arejado e diferenciado. Tirei as faixas de cor da tela, dispondo cada uma delas em ripas verticais finas e longilíneas. Agrupei-as, lado a lado, em uma pequena estrutura de madeira, (uma espécie de toquinho), fixando-as apenas pela sua extremidade superior. Outra vezes, as ripas foram ladeadas sem qualquer estrutura, mas sempre penduradas na parede e separadas entre si por alguns centímetros de distância. Em algumas ocasiões não trabalhei por agrupamentos, mas por recortes feitos em uma única chapa de madeira, abrindo brechas mais ou menos largas entre superfícies coloridas. Nos três casos, meu objetivo era deixar que o ar e o espaço atuassem na relação entre as cores. Para melhorar o fluxo entre o espaço concreto da parede e as ripas, usei de um artifício: introduzi quase sempre alguma cor que tivesse alguma familiaridade com a sombra projetada das ripas e, também, com a própria parede branca. Assim, o olho pôde correr mais fluido entre os volumes pintados e o resto, extraindo daí um jogo de colaboração entre as cores, e destas com o espaço comum. É claro que também aqui fiz uma manobra pacificadora com a obra, a parede e suas sombras. Mas acho que o resultado é um convívio solidário com mais diferenciação e complexidade. Não é mais ou menos isso que queremos? (1998)

* Texto originalmente publicado em folder da exposição de 1998 no Centro Cultural São Paulo




O fio perigoso das coisas
Rodrigo Naves - 1995

É ainda possível pintar como quem resolve exclusivamente problemas de pintura? A essa pergunta, o trabalho de Sérgio Sister responde “sim” e “não”. O aspecto discreto e austero de suas telas, o envolvimento cerrado com questões eminentemente ligadas à própria pintura -- luz, direção das pinceladas, relações tonais -- e a recusa a qualquer comentário prosaico sem dúvida reforçam o comprometimento com uma estética altamente reflexiva, sempre às voltas com seus dilemas.

No entanto, essas obras a todo instante se apresentam ao nosso olhar de maneira mais desarmada, afastando temporariamente a interrogação sobre seu estatuto. O refinado e paciente trabalho de pincel se acumula aqui e ali, se mostra excessivo, incapaz de levar a cabo a tarefa de sutil formalização que o orienta. A relação ponderada entre pincelada e cor se atropela. A alegria dos tons claros é rebaixada pela trama grave que os envolve e eles parecem requerer independência frente à malha de pinceladas que os ordena sobre a tela. A luz que matiza as cores e as anima tarda em demasia sobre as superfícies e adia o aparecimento delas. Cor e luz atravessam o ritmo e duvidam de sua ação solidária.

É sobretudo nesses momentos de indefinição que os quadros aparecem mais intensamente. O instrumento que daria realidade e feição às coisas -- o apurado trabalho do pincel -- perde o fio da meada, passa do ponto e turva aquilo que queria conduzir à mais perfeita forma de apresentação. A indagação moderna sobre a verdade e a extensão dos meios pictóricos embatuca e já não consegue encontrar correspondência entre a objetividade de seus termos e a efetividade de seus desdobramentos. A maneira mais cuidadosa de revelar plenamente a intensidade de um vermelho também pode conduzi-lo a uma presença por demais massuda e pouco luminosa. A meditada construção de uma superfície azul traz sempre os riscos de uma tonalidade que reluta em se manifestar cabalmente, retornando sem cessar aos gestos que a originaram.

A existência de uma estrutura mais marcada nos quadros atuais é, por isso mesmo, muito reveladora. As áreas quase regulares que demarcam as telas procuram reencontrar uma unidade que se rompeu. De algum modo, elas retomam a busca por uma trama de relações razoavelmente auto-suficiente e que proporcione uma sistema generoso de permutações. Três superfícies diversas de verde podem então encontrar equivalência por meio de fatores que ampliam a determinação das cores. O modo específico de aparecimento de cada região colorida -- determinado pela trama que lhes dá corpo, sua maior expansão ou retraimento, sua espessura -- as envolve com circunstâncias que abrangem suas condições de existência. Os elementos constitutivos de uma pintura revelam então compromissos mais materiais, que os afastam da ilusão de um autonomia absoluta. A ênfase no trabalho concreto que viabiliza as diferentes áreas dos quadros possibilita um cotejo renovado entre elas, e de fato impressiona que pinturas tão discretas possam adquirir tanto movimento.

Mas aquilo que aproxima as diferentes regiões também as afasta. Uma má circularidade acentua ora o lado mais retiniano das cores, ora sua corporeidade. As coisas e sua realização não se recobrem. Na arte brasileira, poucas obras ressaltaram tanto a dimensão feita do fenômeno visual como a pintura de Sérgio Sister. E no entanto desde sempre esse fazer teve um movimento errante, minimamente conformador. A luz que transfigurava a matéria por entre as estrias do pincel precisava obter um deslizamento acentuado, que dificultava toda configuração mais estável. Nas telas negras da década de 80 era preciso rebaixar a aparência dos quadros a um grau zero para que seus termos começassem a atuar.

Sérgio Sister é sim um modernista meio enragé que insiste em ver a pintura como processo autônomo, avesso às contaminações da realidade e de suas limitações. Penso até que esse partido chegou a lhe dar uma segurança excessiva, que deteve por um tempo o desenvolvimento de sua pintura. Agora, a mesma ênfase nos elementos intrínsecos ao meio -- plano, cor, luz -- conduz seu trabalho em outra direção. A autonomia dos elementos -- a promessa de uma atividade que regulasse a si mesma -- é obtida por um trabalho e uma corporeidade que, pela sua própria natureza, relativizam aquela intenção. E, simultaneamente, a consideração das circunstâncias de realização das formas e cores garante a singularidade e força de sua pintura. E é sobretudo o cotejo das diversas regiões dos quadros que torna visível esse processo, quando um pequeno retângulo azul mais encorpado se mede em pé de igualdade com uma maior extensão da mesma cor. Há uns dez anos uma gestualidade contida e renitente mantinha a esperança de livrar luz e cor de seus compromissos mundanos, ainda que às custas justamente de luz e cor. As superfícies negras constituíam um território neutro onde tudo podia encontrar o seu início. Hoje, ao contrário, são suas impurezas que podem lhes assegurar particularidade.

O trabalho de Sérgio Sister permanece discreto como sempre. Essas telas não vieram ao mundo para torná-lo mais alegre ou variado. E nem mesmo o exercício continuado dessas sutilezas tonais promete um renovado poder de discriminação. Sua arte ensina que está tudo em jogo. O que diferencia envolve tudo numa espessura turva. E o que hoje traz as coisas à tona pode amanhã ser o peso que as levará ao fundo. (1995)




A guarda da luz
Alberto Tassinari - 1993

As pinturas de Sérgio Sister parecem guardar a luz. Opacas, às vezes leitosas, são pinturas, paradoxalmente, luminosas. Ainda que pintadas sempre com uma cor dominante, não é tanto da cor que nos falam, mas, se é possível dizer assim, de um repouso da luz. Ali retida, entre os sulcos e as vibrações que estruturam o quadro, a luz parece encontrar na cor mais o seu ambiente do que a sua tradução. A luz ali fica, mais do que ilumina.

É difícil dizer como isso se dá. Uma matéria emprestaria corpo a uma cor que se deixaria vir habitar pela luz. Estranha espécie de vitrais de um tempo sem catedrais. Quando nada mais transcende, a luz já não será o espírito do espaço. E mesmo o espaço já não é então transcendência em excesso? O máximo a fazer seria guardá-los. Quietos, mas não inertes. Imantados na pele dos quadros.

Mas esses quadros parecem solicitar também uma interpretação positiva. O que é o transcendente, hoje? Talvez questão sem muito lugar, que a conversa e os saberes desconversam e disciplinam a ponto de não haver muitas ocasiões para pô-la, a não ser, aqui e ali, em textos híbridos como o são os catálogos de exposições. Que, pelo menos, para regular a grandiloqüência, se faça então a pergunta às próprias obras. A princípio, não haveria nenhuma transcendência nelas. Seriam prosaicas e banais. Entretanto ali estão. Fechadas, opacas, pouco se entreabrem. Mas de novo ali estarão e, nesse ali, há um mistério. E que não se deixa perder, o quanto pode.

Mas isso tudo é muito geral. Esse ali que põe algo em obra é o de toda boa arte contemporânea. Nessas pinturas, como nos chega? Como luz, dizia-se. Uma luz que ali está. Mas isso também é muito geral. Há toda uma família de pinturas da luz. Menos há, é verdade, dessa guarda ou vigília da luz. Que acontece aqui, parece-me, por um trabalho da afeição. Há uma calma nessas pinturas que vem do afetuoso de seu feitio. A matéria, a cor e a luz de que antes se falou, estão ali afeiçoadas umas às outras. As marcas do fazer se deixam ver em tramas que se mostram tranqüilas, mesmo quando, não raro, são marcadas por fadigas. Há zelo por toda parte. O que não quer dizer minúcia. Se a luz habita o quadro, parece ser porque este mesmo é um espaço habitado por hábitos que logo discriminamos, mas que se mostram hábitos dele, que dão suas regras, mas também suas variações imprevistas. Mas se assim for, não há nisto uma contradição entre as impressões e noções do que aqui se pôs a falar? Esse ali, de todos e de ninguém, pode ter a fisionomia do afeto? Este último não é da ordem, digamos, do aqui, de que vê e de quem pinta? Haverá um afeiçoar-se lá, sempre mais lá do que nossos próprios afetos? É no que penso e sinto quando olho estas pinturas. Há uma luz ali. Ela encontrou lugar. Por momentos, não pensarei em outras coisas. Há beleza no mundo. Nada de mal acontecerá. Talvez comigo. Uma dia comigo, com todos. Mas não ali. Como numa pintura de Morandi, tudo se afeiçoa a tudo. Mas não é isto mesmo a arte, já se disse, promessas de felicidade?

* Texto originalmente publicado em catálogo da exposição de 1993 na Galeria Millan (SP) e Casa da Imagem (Curitiba).




Pequenos deslocamentos de equilíbrios
Lorenzo Mammi - 1988

No centro do trabalho de Sérgio Sister está a análise atenta, acurada e paciente do elemento mais simples da linguagem pictórica: a pincelada. A tradição moderna vem fazendo da pincelada cada vez mais objeto e menos instrumento da pintura. A marca do pincel sobre a tela e sua reação à luz têm se tornado cada vez mais elementos estruturantes do quadro, e não simples meios de representar uma estrutura.

Nos quadros de Sister, a justaposição de diferentes pinceladas - desiguais quanto à direção, forma e pressão - parece gerar direta e organicamente a forma total, sem a mediação de um esquema pré-estabelecido. Nos grandes quadros monocromáticos, a luz recorta campos de diversos tons, graças unicamente à direção da pincelada; ou então dissolve a unidade da superfície em escamas luminosas, seguindo os movimentos curtos e nervosos do pincel. Nos quadros pequenos, Sister constrói morfologias locais, pontos de equilíbrio precário nos quais a luz, o gesto do pintor e a consistência do pigmento chegam a coexistir, por um momento, em um esboço de forma unitária.

Nestas pequenas telas, com mais freqüência que nas outras, ocorrem tentativas de estruturação mais marcadas. Uma faixa, uma moldura, um triângulo- sinais de um esprit de géometrie enxuto, reduzido ao mínimo, disposto a deixar-se submergir pela onda irregular da pincelada e de seus infinitos reflexos.

Para que o movimento das pinceladas adquira a máxima evidência possível, Sister utiliza um pigmento à base de pó de alumínio, misturado com óleos, ceras ou terras. Assim tratado, o pigmento mantém a cintilação metálica, porém enfraquecida - não um reflexo constante que repele o olhar, obrigando-o a deter-se na superfície do quadro, mas sim uma luminosidade vaga que convida a descobrir mais em profundidade outros reflexos, outros jogos de luz e sombra. O material empregado pelo artista parece realizar uma impossível conciliação de opostos: absorver e refletir a luz simultaneamente.

No entanto, justamente porque sublinhada ao máximo pelo brilho do metal, a marca do pincel se torna ambígua. O jogo de reflexos e sombras muda conforme a iluminação e a posição do observador. Os quadros passam a ser um pouco mais escultura e um pouco menos imagem - como as esculturas, admitem uma pluralidade de pontos de vista.

Sister escolheu um material que o coage a produzir signos - o simples ato de encostar repetidamente o pincel na tela produz manchas, linhas, campos de cor, enfim, formas. Essas formas, contudo, não são mais estáveis: sofrem contínuas modificações, surgem e desaparecem. Neste universo em transformação, o pintor procede com prudência, reconhecendo constantes, marcando passagens, sabendo que cada movimento seu não tem mais um sentido unívoco, não é mais que um pequeno deslocamento de equilíbrios em uma rede de imagens possíveis.

* Texto originalmente publicado em catálogo da exposição de 1988 na Galeria Millan




Paradoxos da modernidade
Rodrigo Naves - 1986

Poucos artistas têm tantas lições a oferecer à pintura contemporânea quanto Giorgio Morandi. Quando a modernidade, paradoxalmente, passa a viver num certo compasso de espera, e por uma questão de sobrevivência retoma problemas formulados anteriormente − distante, portanto, da tradição de rupturas do modernismo -, a decisão estética e a firmeza moral deste italiano aparentemente extemporâneo ganham uma dimensão insuspeitada em sua época.

Se os embates das vanguardas perdem eficácia, talvez a saída provisória mais adequada esteja em manter as tensões internas de uma cultura que não pode viver sem elas. É inútil bater-se contra um meio que não oferece resistência, e tem algo de ridículo lamentar a falta de agressividade do público.

A pintura de Sérgio Sister vive no âmbito desses dilemas. Seus quadros não trazem a preocupação de grandes transgressões formais. O que os caracteriza é, antes, um esforço para dificultar a expressão, para torná-la aderente ao trabalho despendido na realização das telas. De fato, elas têm uma presença problemática, distinta da evidência que vinha sendo uma das marcas da produção contemporânea. A tão discreta aparência das obras é rigorosamente proporcional a uma trama elaborada com a obsessão de quem não quer concluir. Ou melhor, não pode. Porque não se trata de dar corpo a uma idéia ou projeto que solicite uma presença sensível mínima para ser melhor captado. Ao contrário, há aí um excesso de trabalho para um resultado voluntariamente ínfimo em efeitos; uma destreza que se recusa à simples consecução e se interroga a cada movimento. Portanto, seria ingênuo reconhecer nelas um elogio do trabalho artesão ou algum vago protesto contra o caráter sumário da arte contemporânea.

Este fazer carrega uma inutilidade que nada tem a ver com o finalismo da manufatura. Não resta dúvida, estamos às voltas com uma estética peculiar: não propriamente desinteressada, mas sobretudo ciosa (e paciente) de suas origens e destinação. Como esses planos indecisos de sua direção ou profundidade, ou os pigmentos metálicos que mal se convertem em tinta, não interessa aqui a bela exterioridade dos atos, e sim a sua constituição. Omar Kháyám dizia que “não há verdades, mas há mentiras evidentes”. É mais ou menos isso.

* Texto publicado originalmente no catálogo da exposição de 1996 na Paulo Figueiredo Galeria de Arte



fonte : Nara Roesler em 13/04/2010
Fonte cda

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.