Biografia |
Ivan Gomes Pinheiro Machado, 55 anos, é editor e pintor, mas também já se aventurou pelos caminhos da fotografia, do jornalismo, da publicidade e da arquitetura. Fundador da L&PM, ele tem sua trajetória profissional alicerçada em idéias criativas e audaciosas e inspira-se em uma frase de Darci Ribeiro para justificar suas loucuras: "Algumas coisas só são possíveis devido a in ciência da juventude". Com os acontecimentos mais importantes de sua vida situados entre 1969 e 1975, sua história pessoal é marcada pela ditadura militar e pelo seu crescimento junto a dois grandes amigos: Paulo de Almeida Lima e Edgar Vasques.
Talento Precoce
Natural de Porto Alegre, onde sempre morou, Ivan mostrou talento para o mundo das artes ainda criança. Embora sua habilidade para o desenho fosse notada e estimulada pela família, foi sozinho, aos 13 anos, que ele descobriu sua aptidão para pintar quadros. Aos 17, já ganhava algum dinheiro através de um estúdio fotográfico que montou junto com amigos. Na época, a prática da fotografia era reservada a profissionais e poucos corajosos a experimentavam. A ousadia lhe garantiu o primeiro emprego, no jornal Zero Hora. O convite partiu do veterano Assis Hoffmann.
A oportunidade surgiu cedo e o adolescente esperou até o dia 26 de janeiro de 1969, quando completou 18 anos, para assumir o cargo de repórter fotográfico de Zero Hora. No mesmo ano, iniciava as aulas do curso de arquitetura da Ufrgs, revelando inquietação e versatilidade. Durante a graduação, que levou sete anos para concluir, não buscou experiências profissionais na área. Acabou dedicando o seu tempo ao exercício do jornalismo: passou pela Folha da Manhã e fez trabalhos free-lancer para as sucursais gaúchas da Revista Veja e dos periódicos O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
Para Ivan, o conturbado contexto político que marcou a transição entre as décadas de 60 e 70 alimentou o seu fascínio pela imprensa. "Na época, tínhamos entusiasmo pelo trabalho jornalístico e o encarávamos com romantismo", comenta. Mas foi a faculdade de Arquitetura que facilitou o seu entendimento sobre o momento histórico que vivia e influenciou sua maneira de perceber o mundo. "Foi a coisa mais importante que eu fiz na vida", assegura, relatando a intensa rotina intelectual dos estudantes do curso e o conseqüente contato com pensamentos de vanguarda. "Lá, estavam as antenas de Porto Alegre", declara.
Amigos para sempre
Mesmo contribuindo para o seu crescimento pessoal, a arquitetura não determinou seus rumos profissionais. Após o final da graduação, ele trabalhou seis meses com o então secretário de Obras Otávio Germano, amigo de seu pai. Mas a curiosidade o levou para vôos distantes. Sua primeira empreitada foi a criação da agência Ciclo 5 Propaganda junto com os amigos Paulo de Almeida Lima - sempre sócio, agora na L&PM - e Edgar Vasques, em 1970. Com idades aproximadas e planos igualmente ambiciosos, o trio manteve o negócio até 1974. Assim, fortaleceram a amizade, identificando-se pelo perfil empreendedor.
A desistência da atuação no mercado publicitário ele atribui à falta de motivação. "Não era a nossa onda", brinca, afirmando que ele e os companheiros não tiveram prejuízo. Com o fechamento da agência, investiram em um novo projeto megalomaníaco: uma editora de livros. "Estávamos almoçando na churrascaria Cabanha, na Praça Maurício Cardoso, no dia em que encerramos a Ciclo 5. Foi quando surgiu a idéia", lembra. Nascia ali, entre amigos, a L&PM Editores, com "L" de Lima e "PM" de Pinheiro Machado. A exceção foi Edgar, que não quis virar empresário.
Na época, Edgar e Ivan eram colegas na faculdade e trabalhavam juntos na Folha da Manhã. Além disso, dividiram os bancos escolares desde os dez anos, no ginásio e no secundário. Já a convivência com Lima teve início meio por acaso: "O Lima era da turma da Praça da Matriz e da Duque de Caxias, assim como nós", conta. A editora ganhou vida ainda em 1974 e seu primeiro lançamento trazia o personagem Rango, símbolo da resistência à ditadura militar, criado por Edgar. A participação indireta do amigo no novo negócio deu sorte: Rango foi o mais vendido na Feira do Livro daquele ano e impulsionou a L&PM.
"Talvez esse tenha sido o maior lançamento de livro já feito em Porto Alegre", ele arrisca, referindo-se à obra de Edgar. A festa foi realizada no Diretório Acadêmico da faculdade de Arquitetura e reuniu em torno de duas mil pessoas entre estudantes, militantes de esquerda e políticos, a exemplo de Paulo Brossard. Mais tarde, em 1975, Brossard publicava o livro "É Hora de Mudar" e conquistava projeção em âmbito nacional para a L&PM. A esta altura - um ano após fundar a editora - Ivan estava formado e dedicava-se exclusivamente ao novo trabalho.
Sucesso no mercado
Outros acontecimentos ajudaram a tornar a empresa conhecida em outros Estados. Um deles foi o lançamento de uma obra de Millôr Fernandes, primeiro autor de fora do Rio Grande do Sul a apostar na editora. Josué Guimarães, que já era bastante conhecido, escolheu os novatos para editarem "É Tarde para Saber", um sucesso de vendas. Até mesmo Woody Allen, em 1979, ano em que foi destaque na entrega do Oscar, rendeu lucro com a tradução de "Cuca Fundida". Em 1981, a fama da L&PM aumentou com Luis Fernando Verissimo e "O Analista de Bagé", seu primeiro texto de destaque.
Seguro, o editor garante que "todos os autores gaúchos que tiveram algum sucesso nacional nos últimos 30 anos foram publicados pela L&PM". Para fundamentar sua afirmação, cita, entre outros, Tabajara Ruas, Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, Luiz Antonio de Assis Brasil e Moacyr Scliar. "Menos a Lya Luft, que já era ligada a outra editora. Mesmo assim, ela nos fez algumas traduções", ressalta. No entanto, o sucesso não a tornou imune a crises. Na década de 90, quando o cenário econômico era de recessão e as multinacionais invadiram o mercado editorial, a L&PM também esteve em baixa, atravessando sua pior fase.
Nesse momento crucial, em 1997, é que a coleção Pocket, de livros de bolso, foi apresentada aos leitores. "Nunca tivemos dinheiro, nosso maior capital sempre foram as boas idéias", justifica a solução encontrada. A boa idéia salvou a empresa da crise e corresponde, na atualidade, ao seu projeto mais importante. Ivan assegura que a coleção não foi criada apenas para aumentar as vendas e trazer prestígio, mas que ela integra os princípios filosóficos e comerciais da editora e é reflexo de sua história. "Nós buscamos a popularização da literatura", afirma.
As boas vendas dos pockets ele também atribui ao trabalho do colega e amigo Lima, responsável pela parte logística, de distribuição. "A coleção está disponível em qualquer ponto do Brasil, ao alcance da mão", explica Ivan, que é encarregado da parte editorial. Para o futuro do empreendimento ele assegura sempre ter projetos. Em 2006, deve ser lançada a série "Pocket Plus", com títulos a R$ 6. Também será realizada uma reedição da coleção Comédia Humana, escrita por Balzac, e os livros de Agatha Christie ganharão versão de bolso devido a uma parceria com a editora Nova Fronteira.
Seu desafio profissional permanente é continuar fazendo com que a L&PM cresça e manter a coleção Pocket como líder de mercado. "Temos o compromisso de inovação e qualidade com o leitor", define. Quanto ao segredo do sucesso, Ivan é taxativo: "trabalho em equipe". Além do sócio Lima e dos funcionários, ele cita uma enorme lista de autores e personalidades do cena cultural local que o ajudaram a concretizar o sonho de montar uma editora. "Se cultivamos alguma vaidade, é a capacidade de ter agregado o esforço coletivo", relaciona.
Sem tempo para o Ócio
Quando o assunto é vida pessoal, o editor admite ter dificuldade para conciliar a família com o trabalho. "Penso 24 horas por dia em trabalho, até quando estou dormindo, nos meus sonhos", confidencia. Sua válvula de escape é o esporte. Já praticou futebol e vôlei e sempre se dedicou ao tênis, mas, atualmente, é o golfe que tem ocupado a maior parte de seu tempo livre. Bastante ativo, Ivan não reserva nem um minuto para o ócio, característica que, no trabalho, se mostrou uma grande qualidade.
Separado da estilista Lais Tarasconi, com quem esteve casado por 17 anos, é pai de dois filhos. Sua maior preocupação é estar sempre presente na vida de Maria Manuela, 20 anos, e de Antônio, 16, que leva o nome do avô. A primogênita trabalha com a mãe na empresa de moda Ton Age, onde é responsável por uma linha Jeans. Além disso, cursa administração na PUC e mora com Ivan. Já o caçula vive com a mãe e ainda não decidiu o futuro profissional. O pai prefere não pressioná-lo.
Fora da L&PM, ele ainda ocupa-se de uma segunda atividade, a de artista plástico. Mesmo encarando a pintura de forma profissional e faturando um bom dinheiro com a venda de seus quadros, o editor não tem um compromisso com o volume de produção. "Depende da inspiração", conta. Ele garante que foi graças à faculdade de Arquitetura que se consolidou pintor e que o prêmio que recebeu no Museu de Arte de São Paulo (MASP), durante o Salão do Jovem Artista, foi definitivo na carreira. Hoje, em seu currículo, figura até mesmo uma exposição realizada em Paris, em 2004, a convite da embaixada brasileira na França.
Nascido em uma família de quatro filhos, Ivan é irmão de José Antônio, o famoso Anonymos Gourmet, seu parceiro profissional com cinco livros de culinária lançados. O editor revela que nas reuniões familiares não é o irmão quem assume a cozinha. "Eu é quem faço um churrasco", revela, divertindo-se. Mas justifica: "Ele trabalha com isso, precisa relaxar em casa". Com uma vida social de altos e baixos, o editor diz ter fases em que sai mais e outras em que sai menos. De qualquer forma, com o círculo de amigos que possui, os programas são sempre interessantes.
A leitura, sua atividade mais freqüente, ele não sabe classificar nem como profissão, nem como lazer. Diz ter perdido essa referência por ter trabalhado sempre com o que gosta e não precisar fazer essa diferenciação. "Me diverti e, ao mesmo tempo, consegui ganhar a vida com a fotografia, com a pintura e com a literatura", comemora. Ainda assim, diz precisar ler muita coisa de que não gosta. Para o seu futuro não faz planos: "Meu planejamento é viver um dia de cada vez", conclui.
|