Artista Aleijadinho - Antônio Francisco Lisboa
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Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (Vila Rica, atual Ouro Preto MG 1730 - idem 1814). Escultor, arquiteto, entalhador. É considerado o mais importante artista brasileiro do período colonial. Filho natural do arquiteto e mestre-de-obras português Manuel Francisco Lisboa e de uma de suas escravas, recebe do pai as primeiras noções de desenho, arquitetura e escultura. Provavelmente tenha recebido ensinamentos do desenhista e medalhista lisboeta João Gomes Batista (s.d. - 1788), que depois de trabalhar no Rio de Janeiro muda-se para Vila Rica, atual Ouro Preto, onde entre 1751 e 1784 exerce o posto de abridor de cunhos da Intendência e Casa de Fundição. É possível que Aleijadinho também tenha sido orientado por dois entalhadores: Francisco Xavier de Brito (s.d. - 1751), responsável pela execução da talha da Igreja de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, que por estar enfermo indica o pai de Aleijadinho para terminá-la; e José Coelho de Noronha, que no ano de 1758 trabalha na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Caeté. Dois anos depois, nessa cidade, Aleijadinho realiza uma escultura de Nossa Senhora do Carmo e se responsabiliza pela execução dos altares laterais. Antes dos 50 anos, ele é acometido por uma doença degenerativa, que deforma e atrofia seu corpo, desencadeando a perda progressiva do movimento dos dedos das mãos e dos pés. Passa a trabalhar com os instrumentos atados às mãos por seus escravos, que o carregam até os locais de trabalho. Há muitas incertezas sobre sua vida. A primeira biografia do artista foi escrita em 1858, 44 anos após sua morte, por Rodrigo José Ferreira Bretas, baseada em documentos de arquivo e depoimentos. No conjunto de sua obra destacam-se os projetos das igrejas de São Francisco de Assis, em Ouro Preto e em São João del Rei, Minas Gerais; as 66 imagens de cedro dos Passos da Paixão e os 12 profetas de pedra-sabão, para o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais.



Atualizado em 27/07/2006
fonte : Itaú cultural

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Nascimento e dúvidas sobre a existência do Mestre


Antônio Francisco Lisboa, conhecido por Aleijadinho por causa da doença que sofreu e o deformou sem piedade, nasceu dia 29 de Agosto de 1730.

Izabel, mãe de Aleijadinho deu a luz no bairro do Bom Sucesso, na cidade de Ouro Preto, antiga capital da Província de Minas Gerais.

Filho natural de Manuel Francisco Lisboa, arquiteto português, e de Izabel, uma pobre escrava africana:
"...nesta Igreja de Nossa Senhora da Conceição com licença minha baptizou o Rdo. Pe. João de Brito a António, fo. de Izabel, escrava de Manoel Francisco da Costa de Bom Sucesso,elhe pôs logo os stos. Oleos edeu odo. seo senhor por forro..."

O nome do pai de Aleijadinho aparece, na Certidão, grafado Manoel Francisco da Costa.

Historiógrafos, como Rodrigo José Ferreira Bretas (1858), afirmam que são nomes pertencentes à mesma pessoa.

Feu de Carvalho, autor do "Ementário da História de Minas" não aceita erros em qualquer documento da época. Argumenta que se o pai do Aleijadinho tivesse da Costa no nome, o Procurador da Câmara jamais consentiria que num contrato ele apenas assinasse parte do seu nome. Afirma que em nenhum documento há uma assinatura com da Costa. Todos estão assinados como Manuel Francisco Lisboa.

Por causa deste fato muitos historiógrafos e a Igreja negam a existência do Aleijadinho.





Momento histórico em que viveu Lisboa



Nos primeiros anos de vida, Aleijadinho deve ter tido conhecimento das perversidades do governador luso, D. Pedro de Almeida.

Este autocrata, Conde de Assumar, decretou a destruição das choupanas de adôbe situadas no Morro de Ouro Podre, local onde se refugiavam os escravos do Mestre-de-campo, Pascoal da Silva Guimarães.

Aleijadino, na adolescência, pode entender as velhas rivalidades entre taubateanos e outros paulistas. Sentiu na própria pele a mesquinhez do Governador D. Luiz da Cunha Menezes.

Soube das sangrentas lutas dos habitantes de São Paulo com os emboabas.

Observou o descontentamento, cada vez maior, pela cobrança dos "quintos", taxas obrigatórias que a Colônia tinha de pagar ao Reino. Uma condição intolerável já que os fecundíssimos veios auríferos se exauriam.

Os interesses da Metrópole ligados às jazidas determinaram a mudança do Governo Geral para o Rio de Janeiro porque esta medida era mais conveniente do que a defesa da Colonia do Sacramento, localizada à margem esquerda do Rio da Prata.

E assim também se deslocou do sul em direção ao centro a economia brasileira da época.

Sacerdotes de diversas ordens conseguiam licença para esmolar nas Minas onde arrecadavam grandes quantidade de ouro, início do esplendor dos conventos sob o trabalho escravo.

Descontentamentos, roubos, crimes, disputas entre ordens, mineradores, aventureiros e perseguições não impediram a prosperidade de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Albuquerque, nome dado pelo Governador Antônio de Albuquerque à região descoberta.





"Aleijadinho foi invenção do governo Vargas" Jair Ratter *



O pesquisador paulista Dalton Sala acredita que Aleijadinho foi uma invenção do governo Getúlio Vargas. Para Sala, o Mestre é um mito criado para a construção da identidade nacional - um protótipo do brasileiro típico: "mestiço, torturado, doente, angustiado, capaz de superar as deficiências por meio da criatividade".

Segundo o pesquisador, nunca ficou provado textualmente que uma pessoa chamada Antônio Francisco Lisboa, conhecida como Aleijadinho, tivesse feito todas as obras que lhe foram atribuídas. Sala atribui a construção do mito Aleijadinho a uma necessidade política e ideológica da ditadura Vargas.


"Criado duas semanas depois do golpe de 1937, o SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tinha como meta colaborar na construção de uma identidade nacional".

Sala ainda afirma que a criação dessa identidade baseou-se em dois grandes mitos: Aleijadinho e Tiradentes porque a figura de Aleijadinho faz coincidir um processo de autonomia cultural com um processo de autonomia política, personificado em Tiradentes.

O pesquisador diz que o mito Aleijadinho, de origem duvidosa, já existia antes de Vargas. Foi apenas aproveitado pelo Estado Novo.

Em 1858, Rodrigo José Ferreira Bretas publicou no Correio Oficial de Minas que havia achado um livro datado de 1790, com a história de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

"Acontece que esse livro, chamado Livro de registros de fatos notáveis da cidade de Mariana, nunca foi visto por ninguém", diz Sala.

O paulista conclui sua teoria afirmando que em 1989, o historiador de Arte Germain Basin, disse-lhe que foi pressionado pelo ex-presidente do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade, e pelo arquiteto Lúcio Costa para emitir parecer atribuindo a Aleijadinho a autoria de obras.

* Trecho da entrevista de Dalton Sala ao repórter Jair Ratter, publicada na Folha Ilustrada de São Paulo, 16 Março 1996, p.8.





Acróstico prova a existência do Santo-bruxo, tombado



Aleijadinho transcende aos rococós e motivos do barroco mineiro que, carregados de ironia, faz de sua iconografia a enunciação de significados profanos.

Não fosse verdadeira essa afirmação fica pelo menos a dúvida uma vez que o padre Júlio Engrácia, administrador do Santuário de Congonhas do Campo, no começo do século XX, tentou eliminar as obras de Aleijadinho.

Contra aqueles que negaram ou ainda negam a sua existência o Mestre Lisboa montou um acróstico.

As iniciais dos Profetas Abdias, Baruc, Ezequiel, Jonas, Jeremias, Amós, Daniel, Joel, Nahum, Habacuc, Oséias e Isaías montam o nome como era conhecido: Aleijadinho.

Bastariam 11 letras. O Mestre além de utilizar as iniciais de Jonas e Joel (o jota tônico tem som de "i"), usa o "i" de Isaías, para homenagear sua mãe, escrava Izabel, de propriedade de seu pai, Manoel Francisco Lisboa.

Ao todo são 12 Profetas: 4 Maiores, 7 Menores e 1 Escriba, Baruc (Berk-yah) que quer dizer Louvado, pois não há Profeta com a inicial L.

Aleijadinho estava além da alegoria, do telúrico, e já passeava pelo Mundo da Criação 200 anos da ciência ter chegado perto da interpretação do Universo.

Nesta audácia, transgride com o seu cinzel. Deixa impresso na arte os momentos e estados da Alma que morria em vida.

Conseguir ver e refletir sobre as mensagens deixadas pelo Mestre é uma conquista sem limites da capacidade criadora que transcende à compreensão dos homens de razão. Só entenderá as mensagens aquele que possuir Alma.






Um grito de libertação: independência ou morte!


Baruc é um escriba entre os Profetas, como Critilo foi o autor das Cartas Chilenas. Ambos, Aleijadinho e Gonzaga, foram perseguidos, oprimidos e possuíam desejos de libertação.

O reforço desta ligação com os Inconfidentes está no conhecimento que possuía sobre a Escola Maçônica que tanto destaca em suas arquiteturas (G.M.:), nos gestos dos Profetas e nos motivos de suas indumentárias.

Sem culpa pela profanação ou medo de castigos, Aleijadinho criou o Adro: um lamento coletivo.

Peregrinos se apresentam diante do Bom Jesus arrependidos de suas culpas. Parece que todo o sofrimento humano flui para lá.

A pedra-fria-sabão naquele conjunto parece disposta a ouvir e a compartilhar dos sofrimentos da humanidade além de "fazer" as advertências que o próprio colóquio dos Profetas nos impõe.

Morrendo em vida mas com sua Vontade viva encontrou o Verbo Perfeito, o Absoluto, que se revelou pela força da palavra e que deu a esta palavra um sentido igual a si mesma: "passagem".

Com os 12 Profetas (1+2=3, o triângulo, a primeira figura perfeita)somou com ele 13 - a presença da Inteligência trabalhando diretamente ligada à Unidade produzindo uma total varredura de coisas negativas para ressuscitar as positivas, um Novo Ciclo, a Ressurreição.

Aleijadinho deixou para a humanidade muito mais do que sinais, símbolos ou representações da Cabala. Obrigado por ter deixado tanta informação que, depois de quase 200 anos em silêncio, nós hoje podemos entender e ouvir o seu grito de Libertação: - Independência ou morte!






Aleijadinho: se uma invenção, e daí? por Ivo Lucchesi *


Sem o propósito deliberado de firmar polêmica sobre o tema cuja origem remete à pesquisa de Dalton Sala, segundo quem a autoria das belas esculturas não pertenceria à figura de Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho), interessa-me o fato de enfocar a questão por outro ângulo: a autonomia da arte e a verdade.

Afirmam os positivistas que, contra os fatos, não há argumentos. Já os jornalistas consideram serem mais importantes que os fatos suas possíveis versões. Por fim, os semiólogos julgam estar, acima dos fatos e das versões, a interpretação. Confesso-me inclinado a ser parceiro da terceira vertente, principalmente quando o objeto de discussão envolve a arte.

Aflige o ser humano o fantasma da verdade e da mentira. Há uma irrefreável tentação no sentido de se aprisionar o sentido sobre todas as coisas. Parece-nos que, quando o conseguimos, tornamo-nos menos inseguros e mais fortes. O problema, porém, é que a arte, embora se origine da substância do mundo, não comporta a contaminação do que é mundano.

Por outra via, deseja-se afirmar que o mundano não serve para se tentar extrair a verdade da arte. A arte desliza no tempo-espaço em regime de plena liberdade, o que possibilita que seus conteúdo e forma se reatualizem, à luz das transformações.

É isto que explica o fato de uma obra concebida no século V de Péricles, a exemplo da tragédia Édipo Rei, prestar-se como desafio à compreensão de fenômenos contemporâneos. Nada a alterará, se, num futuro qualquer, alguém encontrar um documento no qual figure que a autoria da peça não é de Sófocles. O que foi criado artisticamente haverá de continuar seguindo seu próprio caminho. O resto fica por conta da "fofoca histórica". E fim.

Louve-se o espírito diligente do pesquisador Sala. Todavia, sua contribuição, se correta o for, apenas imporá pequenas alterações no campo da informação. Em nada, o conjunto de signos a configurar a estética presente em Congonhas do Campo sofrerá qualquer abalo. Ali está consignado um modo de apreender o real na sua dimensão mais profunda acerca das dores do mundo, de suas tensões, de sua beleza, de suas contradições. Enfim, uma visão de contrastes na mais profunda estetização barroca.

É preciso ainda ressaltar que, em tempos mais antigos, a autoria de qualquer obra era um dado inexpressivo, sujeito a circunstâncias das mais diversificadas. A autoria, como hoje a conhecemos, deriva de uma construção narcisista e patrimonial do imaginário burguês, diante de sua doentia aspiração à eternidade e ao lucro. A obra escultural de Aleijadinho (ou de quem tenha sido) está fora de quaisquer contaminações ocasionais.

Como arte, nada do que sobre ela se venha a descobrir ou a encobrir, a atingirá. E é apenas na condição de criação artística que as esculturas adquirem real e perene interesse.

No mais, são curiosidades, bisbilhiotices de alcova ou de gabinetes, ou seja, tudo aquilo que é menor, mesquinho, simplório, apequenado. Tudo que é recusado e ignorado pela arte. Restabelecer ou ratificar a "verdade autoral" a respeito da obra de arte sinaliza o uso de um olhar estrábico que tende a ver o mundo por um viés torto.



* Ivo Lucchesi -- crítico, ensaísta, mestre em Literatura Comparada, doutorando em Teoria da Literatura pela UFRJ e professor titular da FACHA.







Obras de Aleijadinho em Ouro Preto, MG.



Há de se ter muito cuidado em atribuir a Aleijadinho a autoria de tantas obras de arte.

Em cada gênero talhado pelo Mestre há diversas características próprias de seu risco: proporções, marcas de golpes do cinzel, número de dobras nas vestimentas.

Aleijadinho não foi o único "santeiro", abridor de cunhos, escultor, projetista, empreiteiro de sua época: Antônio Francisco Pombal, Domingos Marques, João Gomes Batista, José Coelho de Noronha, José Fernandes Pinto de Alpoim, Felipe Vieira, Manuel Rodrigues Coelho, Antônio Coelho da Fonseca, Pedro Gomes Chaves.

Francisco de Lima Cerqueira, Viricimo Vieira da Mota, além do próprio pai de Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa e do Mestre Valentim da Fonseca e Silva.

Estas a seguir são as obras, com algumas ressalvas, atribuídas ao Mestre Aleijadinho:

- planta da Igreja de São Francisco de Assis, talha e escultura do frontispício, os dois púlpitos, o chafariz da sacristia, imagens das três pessoas da Santíssima Trindade, anjos do altar-mor;
- obras da Igreja de Nossa Senhora do Carmo;
- obras na Capela de São Miguel e Almas, ou Bom Jesus das Cabeças.

Nos arquivos e livros das ordens religiosas ( Franciscana, Carmelita, Beneditina) e das paróquias estabelecidas em Ouro Preto encontramos diversos recibos de trabalhos artísticos passados por Aleijadinho.

E com argumentos sustentado nestes recibos é atribuído ao Mestre a autoria de centenas de obras em toda Gerais.



http://www.aleijadinho.com

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As dores de Aleijadinho - Revista Galileu - este artigo discute e tenta elucidar a causa da morte deste grande artista brasileiro. Várias hipóteses de doenças são analisadas, como por exemplo, porfíria, lepra, alcoolismo entre outras. O texto leva em conta análises médicas de dermatologistas e especialistas em doenças. Apresenta também uma rápida biografia do artista. Interessante para aqueles que buscam explicações sobre a morte deste gênio das artes plásticas no período colonial brasileiro.

As dores de Aleijadinho
Cientistas lançam novas luzes sobre a doença do mestre do barroco

Por Cláudio Fragata Lopes


Se não fosse pelo esplendor das obras deixadas nos altares, adros e fachadas das igrejas de Minas Gerais, prova incontestável de sua existência, o mestre Antonio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, poderia muito bem passar por uma lenda. Até seu rosto permanece sob um véu de mistério, pois a autenticidade do único retrato atribuído a ele é posta em dúvida pelos especialistas. Ainda hoje existem controvérsias quanto à data de nascimento e a formação artística do escultor, bem como sobre suas andanças pelo interior mineiro. Uma das poucas facetas conhecidas de sua tão nebulosa quanto trágica biografia - e sobre a qual parecia haver consenso - era a de que sofria de hanseníase, a lepra, doença mutilante que o obrigava a trabalhar com o cinzel amarrado ao que lhe sobrara das mãos. Mas essa já não é mais a única explicação para a deformação física do escultor. Pesquisas recentes realizadas por uma equipe de cientistas liderada pelo dermatologista e hansenologista Geraldo Barroso de Carval
ho, professor da Faculdade de Medicina de Barbacena (MG) e autor do recém-lançado Doenças e Mistérios do Mestre Aleijadinho, apontam na direção de outra enfermidade que afligia o mestre: a porfiria, uma rara doença metabólica ocasionada pelo excesso de ferro no organismo, que em algumas de suas manifestações se assemelha à hanseníase (leia quadro).

Essa hipótese não é exatamente nova. Numa exumação feita em 1971, o médico e bioquímico Paulo da Silva Lacaz, então professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observou que os ossos do artista exibiam uma coloração castanho-avermelhada, típica dos portadores de porfiria. Lacaz morreu antes de concluir suas pesquisas. Foi inspirado nesse trabalho pioneiro que Barroso resolveu proceder, em março do ano passado, a uma nova exumação dos despojos de Aleijadinho, só que, desta vez, contando com recursos técnicos impensáveis há 30 anos, entre eles a possibilidade de submeter as amostras colhidas à análise de DNA para mapear doenças de origem genética, como é o caso da maior parte das porfirias.

O primeiro passo foi pedir a autorização eclesiástica para que os restos mortais de Aleijadinho, sepultados na Igreja Matriz de Antonio Dias, em Ouro Preto, fossem exumados mais uma vez. "Os ossos do escultor estavam numa urna, misturados aos de outros mortos, mas apenas os dele eram avermelhados, o que facilitou muito a investigação", conta Barroso. Existia a possibilidade de a pigmentação vermelha ser apenas o resultado da impregnação decorrente da longa permanência dos ossos em solo de alta concentração ferruginosa, como é o de Ouro Preto. "Tal processo de absorção é conhecido como diagênese", explica o médico. "Mas, se fosse esse o caso, os demais ossos, todos provenientes da mesma cova, apresentariam coloração idêntica." Até chegar a um parecer conclusivo, a pesquisa passou por várias fases. Era fundamental que ela começasse pela comprovação científica de que os ossos avermelhados pertenciam mesmo ao Aleijadinho. As ossadas foram então submetidas a cuidadosos exames antropológicos e antropométricos para sua identificação. "Os ossos pigmentados também eram os únicos que correspondiam aos de uma pessoa idosa, pois, como indica seu atestado de óbito, o Aleijadinho morreu com idade avançada, provavelmente em torno dos 76 anos", esclarece Barroso.

Gênio mulato
Além disso, o estudo do ângulo encefálico revelou que o crânio pertenceu a um indivíduo mestiço, o que confere com as origens do escultor, filho de um arquiteto português e uma escrava negra. Restava saber se a cor avermelhada era de fato proveniente do ferro acumulado no tecido ósseo, em razão das disfunções advindas da porfiria, ou se eram apenas superficiais, por causa do contato com o solo. Só uma análise laboratorial mais profunda poderia fornecer a resposta definitiva. Assim foi feito. Algumas amostras colhidas pela equipe foram encaminhadas, através do departamento de Bioquímica da Universidade de Juiz de Fora, à Embrapa Solos, no Rio de Janeiro, que dispunha da tecnologia necessária para a investigação. O resultado da análise química inorgânica dos ossos revelou a presença de níveis espantosos de ferro. Barroso, porém, não descarta a possibilidade de, no caso dessas amostras, os resíduos de terra terem interferido no resultado final, tanto que também foram detectados altos teores de outros elementos, como chumbo, cobalto, cádmio e níquel. Mas o laudo da análise feita pelo laboratório Analys, de Belo Horizonte, a partir de fragmentos colhidos no interior de vértebras torácicas, uma de Aleijadinho, outra de pessoa enterrada na mesma cova, confirmaram a pesquisa e não deixaram mais dúvidas: dentro da vértebra do escultor foi detectado elevadíssimo índice de ferro, enquanto na outra não havia nenhum resíduo do metal. "Os estudos ainda não terminaram, mas com base nestes resultados podemos afirmar que não há outra razão para a pigmentação avermelhada dos ossos de Aleijadinho, senão decorrência da porfiria", salienta Barroso. O diagnóstico retrospectivo realizado pelo dermatologista mineiro também se apóia no estudo comparado do quadro da doença com algumas das descrições do livro de Antonio Bretas, o principal biógrafo de Aleijadinho.

Álcool e água
Embora contenha diversas imprecisões e de ter sido escrito quase 50 anos depois da morte do escultor, o maior trunfo desse relato é a contribuição da nora de Aleijadinho, Joana Lopes, que ainda vivia e foi ouvida por Bretas. Ela cuidou do sogro em seus últimos anos de vida. De acordo com a biografia, o mestre gozou de ótima saúde até os 47 anos de idade, tanto que não perdia um bom baile, era visto em festas populares, tinha fama de perdulário e namorador, chegando a ter um filho natural. Também apreciava bebidas alcoólicas e esse é um dado importante para o diagnóstico da doença. Estas pistas levaram o médico a concluir que, muito provavelmente, o artista foi acometido pela porfiria cutânea tardia, que pode ser adquirida no correr da vida, em geral por pessoas da faixa etária do mestre quando adoeceu. Atinge com mais freqüência os alcoólatras, cujo metabolismo hepático, em geral deficiente, propicia o acúmulo de ferro no fígado. Também a água de Ouro Preto, rica em sais ferrosos, pode ter contribuído para o aparecimento da doença. Junto à casa de Aleijadinho havia um chafariz de alto teor de ferro, até recentemente conhecido como Chafariz da Água Férrea. Há outros aspectos descritos por Bretas que se encaixam no quadro da porfiria. Um deles é bastante significativo: Aleijadinho tinha o costume de trabalhar protegido por um toldo, mesmo quando esculpia dentro das igrejas. Vestia um capote longo, de golas altas, e chapéu de abas largas. Também evitava sair à noite, preferindo trabalhar de madrugada, voltando para casa antes do sol raiar. Para o biógrafo, isso se dava porque Aleijadinho procurava ocultar sua desfiguração física dos olhares indiscretos. Mas, para Barroso, o motivo poderia ser outro: "Uma das manifestações características da porfiria é a fotossensibilidade intensa, ocasionada pelo excesso de produção de porfirinas", explica o dermatologista. "Justamente nas áreas expostas à luz solar é que surgem as ulcerações da pele, evoluindo depois para graves lesões nas extremidades, especialmente nariz, orelhas e mãos, com possibilidade de perda de tecidos e mutilações. É muito provável que o artista, mais do que fugir da curiosidade alheia, quisesse mesmo se proteger da luz solar." Bretas também o descreve como tendo a face coberta por pêlos "cerrados e bastos", outro dado compatível com o quadro cutâneo da porfiria. Apesar da comprovação científica do diagnóstico de porfiria, Geraldo Barroso não descarta a possibilidade de o Aleijadinho ter sofrido também de hanseníase, doença muito comum à época do artista.

Também lepra
Vários sintomas descritos por Bretas não podem ser explicados apenas pela porfiria, entre eles, a paralisia facial, as lesões nos pés - uma área normalmente protegida da luz solar -, e a paralisia dos nervos cubital e mediano das mãos. "Embora, em casos extremos, a porfiria leve à perda das falanges, as áreas mais atingidas, em geral, são o dorso da mão e a região do polegar e do indicador, justamente os dedos que Bretas garante estarem preservados", argumenta o médico. O biógrafo conta ainda que o próprio Aleijadinho amputou algumas de suas falanges com o formão que trabalhava, "por sentir dores fortíssimas nos dedos". Barroso concorda que essa prática era comum entre os hansenianos, principalmente quando tinham deformidades que atrapalhavam o manuseio dos objetos.

Sem tato
Mas os motivos de Aleijadinho eram certamente o oposto do que afirma Bretas. "Ele cortava seus dedos por não sentir dores, uma vez que tinha insensibilidade nas mãos, em conseqüência das lesões dos nervos responsáveis pela sensação de dor, calor e tato, quadro que só a hanseníase pode explicar", acredita o médico. Os estudos de Geraldo Barroso, embora perto da reta final, ainda prosseguirão. A próxima etapa será a exumação dos restos mortais do pai de Aleijadinho, o arquiteto Manuel Francisco Lisboa, para que seja feita a análise comparativa de DNA e assim obter tanto a comprovação da hereditariedade da doença, como também a certeza definitiva de que os ossos castanho-avermelhados sejam do escultor. Mas quem ganha com todo esse esforço é a memória brasileira. Barroso espera que estudos desse tipo sejam estendidos a outros vultos nacionais. Ele acredita que a ciência pode ser um instrumento de grande valor no resgate e esclarecimento de fatos obscuros de nossa história, sempre tão mal contada ao longo de seus 500 anos.

Porfiria, uma doença rara
Descrita pela primeira vez em 1874, pelo médico alemão J. H. Schultz,
a porfiria manifesta-se em decorrência de uma alteração enzimática na síntese da hemoglobina do sangue, ocasionando um acúmulo exagerado de porfirinas, em cuja estrutura predomina o elemento ferro, no organismo. Estas substâncias acumuladas na pele reagem quimicamente com os raios ultravioleta (UVA) solares.

É por isso que a porfiria se manifesta nas áreas do corpo expostas ao sol, provocando lesões cutâneas como manchas avermelhadas, bolhas, ulcerações, cicatrizes deformantes e, em grau avançado, mutilações.
Há vários tipos de porfiria, a maioria delas de origem genética. A mais grave é a porfiria eritropoiética, onde a falha metabólica se dá na medula óssea. A porfiria cutânea tardia, atribuída ao Aleijadinho, cuja falha se dá no fígado, pode ser adquirida, desde que haja predisposição genética. O alcoolismo é um fator desencadeante da doença, pois intensifica a siderose hepática, isto é, a acumulação de ferro no fígado. Nos casos de porfiria, há também impregnação de ferro no tecido ósseo e nos dentes, que se tornam avermelhados, podendo, às vezes, apresentar aspecto fluorescente.

O médico Geraldo Barroso de Carvalho e sua equipe examinam ossos de Aleijadinho, pigmentados de vermelho por causa da impregnação de ferro














Fonte Cda

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